O vírus da hepatite C (VHC) foi identificado em 1989, por Choo (Dr. Qui-Lim Choo) e Cols. Pode causar doença crônica de fígado e hoje é responsável por nada menos do que 50% das indicações de transplante de fígado no Brasil.
O seu diagnóstico está baseado na sorologia (exame de sangue), porém há necessidade de testes confirmatórios, principalmente a validação da viremia (quantidade de vírus circulando no organismo) e do genótipo (tipo de vírus C que infecta o indivíduo).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem cerca de 170 milhões de portadores do vírus C da hepatite no mundo. De modo geral, considera-se que a prevalência da infecção deste vírus é universalmente distribuída, porém existem bolsões de alta prevalência em algumas regiões da África.
A transmissão do VHC ocorre por meio de instrumentos perfuro-cortantes ou de maneira não identificada, adquirida na comunidade, chamada de “forma esporádica”.
São grupos de maior vulnerabilidade a esta virose de transmissão parenteral, os indivíduos que receberam transfusão de sangue e/ou hemoderivados antes de 1994, usuários de drogas intravenosas (lícitas ou ilícitas), indivíduos tatuados em locais não vistoriados pela vigilância sanitária, indivíduos que tomaram injeções venosas com seringas de vidro nas décadas de 1970 e 1980.
Situações habituais do cotidiano também podem transmitir o vírus C, como a partilha de lâmina de barbear ou de qualquer instrumento perfuro-cortante. A transmissão sexual é de menor importância, enquanto a transmissão intrafamilial parece ser mais dependente da partilha de instrumentos de uso estritamente pessoal como tesoura de unha e lâmina de barbear.
A transmissão de mãe para filho (vertical) é bem menos importante na hepatite C quando comparada à hepatite B, entretanto já se demonstrou que gestantes com elevada carga viral, ou aquelas coinfectadas pelo HIV apresentam maior risco de transmissão da doença para os recém-nascidos.
Bases para o tratamento
A infecção pelo VHC causa um amplo espectro de doença hepática, com predomínio de formas leves e lentamente progressivas. Assim, devemos definir quais pacientes devem ser tratados, uma vez que os tratamentos atuais são caros, têm longa duração e apresentam efeitos adversos.
Tratar indiscriminadamente todos os portadores de hepatite C não parece ter justificativa à luz dos conhecimentos atuais. Diante disso, é fundamental selecionar entre os portadores do vírus aqueles com maior chance de resposta terapêutica e menor risco de complicações.
A partir de 1997, a terapia combinada associando Alfa-Interferon a Ribavirina, esta última na dose de 13 a 15 mg/Kg de peso corporal por dia, em duas tomadas, tornou-se a melhor opção terapêutica. Ambos os medicamentos estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
Este ano, teremos mais duas opções de medicamentos para serem adicionados ao esquema atual. Serão eles o Boceprevir e o Telaprevir.
Efeitos adversos do tratamento
Os efeitos do tratamento antiviral para hepatite C dependem das drogas utilizadas. Cada uma delas apresenta um conjunto de reações peculiares que podem potencializar-se quando existe associação com outras medicações antivirais.
Habitualmente, o tratamento antiviral é bem tolerado. A despeito dos efeitos colaterais pertinentes a cada uma das medicações antivirais, apenas 10% a 20% dos pacientes experimentam efeitos adversos mais importantes, capazes de induzir a redução ou suspensão do esquema terapêutico.
Ao médico caberá o conhecimento prévio e a experiência dos efeitos adversos das medicações antivirais utilizadas no sentido de intervir precocemente, permitindo que o tratamento antiviral alcance a sua programação final.
Na maioria das vezes, os efeitos colaterais são controlados às custas de outras medicações. Em situações especiais, é necessária a diminuição das doses das medicações ou mesmo a suspensão da terapêutica antiviral. Poucos efeitos adversos associam-se a situações irreversíveis.
Avanços e desafios
Incontestavelmente, o Brasil cresceu no enfrentamento deste problema de saúde pública desde 2003. A nação tem hoje centros de referência espalhados em seu território. Apesar dos recentes avanços, estima-se que não mais do que cem mil portadores de hepatites se encontrem na rede SUS. Destes, menos de 30 mil em tratamento.
Há ainda a escassez de hepatologistas no Brasil. Este é outro problema que se soma à dificuldade para realizar exames e procedimentos. A biópsia hepática, um procedimento relativamente simples, todavia hospitalar, é emblemático neste quesito. Os pacientes esperam mais de um ano pelo procedimento em muitas unidades da federação.
Acredito que seja imperativa a necessidade de educar a população. Da mesma maneira que foi feito com a aids, popularizando as campanhas na mídia.
Portanto, enfrentar o drama das hepatites virais no país é um esforço concentrado de toda a sociedade, incluindo profissionais de saúde, gestores, profissionais de imprensa e a sociedade civil organizada.
* Raymundo Paraná é presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, professor livre-docente de Hepatologia Clínica da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e chefe do serviço de Gastro-Hepatologia do Hospital Universitário da UFBA.
** Publicado originalmente no site Agência Aids.