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A Líbia não criaria um precedente

Washington, Estados Unidos, 26/8/2011 – Enquanto a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) prossegue em seu esforço para expulsar de Trípoli as forças de Muammar Gadafi, analistas em Washington debatem se o aparente êxito do levante poderia estabelecer um precedente para futuras ações em outros lugares. A maioria das especulações se centra na Síria, onde o presidente Bashir al-Assad desafia as críticas internacionais à sua violenta repressão contra os manifestantes que exigem sua renúncia.

Nos últimos cinco meses, mais de duas mil pessoas morreram na Síria e mais de cem mil foram detidas, segundo observadores de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Estados Unidos e União Europeia pediram para Assad deixar o cargo. Como no caso da Líbia, Washington também impôs sanções econômicas contra Damasco, particularmente sobre o setor energético, e espera-se que Bruxelas faça o mesmo nos próximos dias.

Nações ocidentais também lideraram uma campanha para que o Conselho de Segurança da ONU condenasse as ações de Assad e convenceram o Conselho de Direitos Humanos esta semana a criar uma comissão especial para investigar a situação na Síria, ao que parece com a intenção de levar as principais figuras do regime ao Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede na cidade holandesa de Haia.

Embora todos esses passos sejam semelhantes aos que o Ocidente e seus sócios árabes deram em relação a Gadafi, a maioria dos analistas em Washington ainda descarta a possibilidade de os Estados Unidos ou a Otan intervirem militarmente contra o regime, como fizeram com a Líbia. No caso líbio, a livre interpretação que a Otan deu à resolução da ONU para criação de uma zona de exclusão aérea para proteger civis e dar assessoria tática aos rebeldes teve um papel fundamental na aparente vitória.

“Creio que o que vimos na Líbia foi sui generis no sentido de que o apoio internacional foi possível apenas porque Gadafi era odiado, inclusive e especialmente pelos sauditas e por outros governos árabes”, afirmou o analista Chris Toensing, diretor do Projeto de Pesquisa e Informação sobre Oriente Médio e editor do Middle East Report. “Não tinha aliados e se afastara de todos seus possíveis partidários, que poderiam ter impedido a formação de uma coalizão”, disse Toensing à IPS, lembrando que foi a Liga Árabe que primeiro pediu ao Conselho de Segurança a criação de uma zona de exclusão aérea na Líbia em meados de março.

Assad ainda tem apoio do Irã, e, em menor grau e mais limitado, de seu vizinho imediato, Iraque. No entanto, Arábia Saudita e Turquia se tornaram duros críticos do governo sírio. Riad e outros governos do Golfo chamaram para consultas seus respectivos embaixadores em Damasco no começo deste mês, mas ainda não se somaram ao Ocidente para exigir a renúncia de Assad.

Inclusive Israel, cada vez mais preocupado pela insegurança na sua fronteira com o Egito, se mostra ambivalente quanto à dinastia Assad, que efetivamente manteve a paz nas Colinas de Golã por cerca de 40 anos. “A mudança, na visão israelense, é algo incerto e, portanto, uma perspectiva que assusta”, escreveu esta semana Uriel Heilman, editor da Agência Telegráfica Judia.

Há outras grandes diferenças nas duas situações que tornam improvável uma nova intervenção militar, como assinalaram diversos especialistas. Uma delas é que a oposição a Gadafi pegou em armas quase imediatamente e solicitou ajuda militar, enquanto a oposição síria até agora está comprometida com a não violência. “Uma ação militar não é o caminho preferido por ninguém, nem para o povo sírio, nem para o árabe e nem para o europeu ou norte-americano”, disse na semana passada a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Victoria Nuland.

Por outro lado, as forças armadas sírias são mais poderosas do que as da Líbia, o que tornaria muito mais arriscada uma intervenção militar internacional, ainda que estivesse limitada a estabelecer uma zona de exclusão aérea.

“Falamos de um país com uma verdadeira máquina militar, com grande capacidade militar, ao contrário da Líbia, que não passa de uma fachada”, disse à agência de notícias AFP o analista Anthony Cordesman, especialista militar sobre Oriente Médio no Centro para Estudos Estratégicos. “A escala de operações militares que seria exigida (muito maior do que na Líbia) apresenta mais riscos de baixas civis e danos colaterais”, alertou. Envolverde/IPS