Estudo aponta que as chances de guerras em anos de calor e seca causados pelo El Niño duplicam em relação a períodos em que ocorre o La Niña e gera preocupação com relação ao futuro em virtude do aquecimento global.
Quando um país ou região passa por uma luta armada, costumamos dizer que a situação no local está “quente”, e segundo um novo estudo norte-americano, isso pode não ser apenas uma força de expressão. De acordo com pesquisadores da Universidade de Princeton, em Nova Jérsei, nos Estados Unidos, o calor e a seca causados pelo El Niño podem sim influenciar no surgimento de guerras e conflitos civis. Em um futuro ameaçado pelas mudanças climáticas, a situação de muitas nações pode vir a “pegar fogo”.
A pesquisa, publicada no dia 24 pela revista Nature, analisou 234 conflitos – dos quais mais da metade mataram pelo menos mil pessoas – em 175 países entre 1950 e 2004, e descobriu que em regiões influenciadas pelo El Niño e o La Niña – chamados de Oscilação Sul-El Niño (Osen) – o risco de guerras civis nos anos de La Niña era de 3%, enquanto no período de El Niño era de 6%. Em nações não influenciadas pela Osen, o índice se manteve em 2%.
O relatório sugere ainda que o El Niño pode ter tido influência em 21% das guerras civis do mundo. “Esse estudo mostra um padrão sistemático global do clima afetando os conflitos, e mostra isso ocorrendo agora mesmo. Dependemos do clima para muitas coisas”, comentou Solomon M. Hsiang, principal autor do estudo e PhD em desenvolvimento sustentável pelo Instituto da Terra da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos.
“O que o estudo realmente demonstra, além de qualquer dúvida, é que, mesmo no mundo moderno, as variações climáticas têm um impacto na propensão das pessoas para guerrear”, declarou Mark Cane, coautor e cientista climático do Observatório da Terra Lamont-Doherty da Universidade de Colúmbia. “Trabalhos anteriores mostraram que, quando as pessoas estão com calor e desconfortáveis, elas ficam mais propensas a guerrear.”
De fato, estudos prévios se focavam na questão de como as mudanças climáticas poderiam aumentar o risco de guerras. Em 2009, o economista Marshall Burke, da Universidade da Califórnia, descobriu que a probabilidade de conflitos armados na África subsaariana era cerca de 50% maior em anos anormalmente quentes. No entanto, críticos indicaram problemas estatísticos na pesquisa que poderiam resultar na falsa aparência de causalidade.
“Hipóteses diferentes foram propostas sobre a forma como um fenômeno causa o outro, e ainda não estamos certos de qual seja a relação correta. Pode ser que o rendimento agrícola nos anos de El Niño se reduza a níveis que possam estimular a violência. Além disso, psicólogos acham que o comportamento agressivo geralmente fica mais difundido durante condições excepcionalmente quentes”, disse o principal autor do estudo.
O novo relatório não explica quais são as causas da ligação entre os dois fenômenos, mas indica algumas suposições de eventos causados pelo El Niño que podem contribuir para os conflitos. “Uma hipótese é que a falta de recursos em países mais pobres coopera com (os impactos) o El Niño. Outra é que eles seriam fisicamente mais vulneráveis ao El Niño, incitando a guerra e levando à pobreza”, explicou Hsiang.
“Se há desigualdade social, as pessoas são pobres, e há tensões subjacentes, parece possível que o clima possa ser a gota d’água. Quando as colheitas não são boas, as pessoas podem pegar em armas simplesmente para ganhar a vida”, acrescentou o pesquisador.
Outros fatores influenciados pelo El Niño que poderiam aumentar o risco de guerras civis são o crescimento da população e a falta de prosperidade do país, além da falha na capacidade do governo de lidar com os eventos do El Niño apropriadamente. “Mesmo que controlemos todos esses fatores simultaneamente, achamos que ainda há um efeito grande e penetrante do El Niño nos conflitos civis”, afirmou Hsiang.
Apesar da relação entre os dois processos, os autores deixam claro que as alterações nos padrões climáticos não são o único nem o principal agente dos conflitos. “Ninguém deve usar isso para dizer que o clima é nosso destino. Mas isso é uma prova convincente de que há uma influência mensurável no quanto as pessoas guerreiam pelo mundo. Esse não é o único fator – você tem que considerar a política, a economia, todos os tipos de coisas”, lembrou Cane.
A pesquisa chamou a atenção de muitos cientistas, e mesmo aqueles que costumam criticar estudos anteriores admitiram que o relatório é competente. “Isto é parte do progresso que estamos fazendo para entender o que conduz o comportamento social humano”, notou Yaneer Bar-Yam, presidente do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos.
“Fiquei surpreso com a força do efeito. Duplicar o risco é um grande aumento, do mesmo nível que a pobreza e a exclusão etno-política”, reconheceu Halvard Buhaug, do Instituto de Pesquisa Paz, em Oslo, na Noruega. Mas a pesquisa não ficou isenta de críticas. “Não nego que a correlação exista, mas é uma correlação que até agora não entendemos. Continuo cético a respeito de qualquer conexão causal possível”, contrabalançou Buhaug.
Como ainda não há certezas sobre essa ligação, os autores declaram que ainda é impossível assegurar se esse padrão pode se estender às mudanças climáticas. “O El Niño é diferente em estrutura das mudanças climáticas antropogênicas. Por isso, seria difícil de mapear os nossos resultados para as futuras mudanças”, justificou Hsiang.
Mas mesmo pesquisadores não envolvidos com a pesquisa apontaram possibilidades para aplicar a descoberta. “O fato de que a Osen é em si um pouco previsível torna essas descobertas relevantes politicamente. Se acharmos que o El Niño está chegando, então os governos em regiões conectadas poderiam aplicar medidas e redes de segurança para tentar reduzir o risco do conflito naquele ano”, sugeriu Burke.
Hsiang acredita que o estudo poderá ajudar a contornar o risco de guerras civis. “Esperamos que nosso estudo possa fornecer à comunidade internacional e aos governos e às organizações de amparo informações adicionais que possam no futuro ajudar a evitar crises humanitárias que estão associadas a conflitos”, concluiu.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.