O maior desperdício do Brasil é de talentos. Fiz esta afirmação hoje em um evento sobre a sociedade em rede e sustentabilidade, no meio de uma troca de ideias, na qual se falava do desperdício de recursos naturais, materiais e energia.
No evento, promovido pela Telefonica/Vivo, o tema da eficiência no uso de recursos foi, como era de se esperar, recorrente. Não é só no Brasil que temos uma sociedade do desperdício. A América, em geral, desperdiça mais que a Europa, temperada por situações de grave escassez. A parcimônia nasce da escassez, não da abundância.
Acho que o próprio ambiente do debate, transmitido em Webcast para a toda a rede, com ampla participação da audiência presente e na rede, via Twitter e SMS, me levou a pensar em incontáveis encontros, físicos e virtuais, que tenho tido, ano após ano com jovens de enorme talento espalhados pelo Brasil a fora. E não falo dos muitos talentos com os quais interagi na elite metropolitana de classe média alta. Falo das moças e rapazes espalhados pelo interior do Brasil, pelas favelas das capitais, que encontro em minhas viagens Brasil afora ou nas redes sociais, a maioria com recursos muito escassos, financeiros e educacionais, para estudar. São ativos, criativos, ligados em suas bases e no mundo, inteligentes, têm enorme capacidade de aprendizado, de adaptação às mudanças no seu ambiente, frequentemente dramáticas. Estão seguramente recebendo educação inferior à que merecem e não têm acesso aos meios de formação e desenvolvimento intelectual que lhes permitiria ir muito além. Acesso que está aquém do que têm direito, do que merecem e do que lhes permitiria saltos gigantescos, para os quais têm a aptidão, o talento e o desejo.
Falo desde os nerds, gênios da computação, que brilham com recursos limitadíssimos, ao virtuosos do violino, do celo, que conseguem inesperada sonoridade em instrumentos precários. Dar a esses jovens o acesso à banda larga, a recursos mais amplos de computação científica significa dar-lhes meios para romperem limites que não são pessoais, mas sociais. Por um bom violino ou um bom celo nas mãos dessas meninos e meninas é abrir um universo de sonoridade que lhes é sonegado, mas já existe em suas almas.
Essas limitações socialmente impostas a milhões de jovens representam um tremendo desperdício coletivo de talentos. Liberados para desenvolverem todo o seu potencial intelectual e criativo, toda a sua energia vital, eles permitiriam que o Brasil se beneficiasse na sua plenitude de sua diversidade e de sua escala populacional. Temos mais da metade da população nessa faixa de idade, no auge da capacidade de aprendizado, com o máximo de capacidade de trabalho. A limitação é pessoal, a perda, coletiva.
Há sociedades que desperdiçam recursos, até mais que a nossa. Não conheço outra que desperdice tanto os talentos como a nossa.
Para mim está claro que o Brasil deve a esses jovens uma educação à altura de seu talento. O acesso que estão tendo à Webesfera e suas redes e mídias sociais, permite-lhes exercitar o autodidatismo ao máximo. Como são inteligentes e talentosos, tiram o maior proveito possível do que a rede lhes oferece. E a maioria tem acesso ainda limitado à Webesfera.
O Brasil precisa se descentralizar. Não pode oferecer seus melhores meios apenas àqueles que estão na elite de um punhado de cidades de seu centro de referência e poder. Melhores meios, mas é bom que se diga, ainda assim ruins. É preciso ver e cuidar do Brasil como um todo, descentralizar radicalmente recursos e atividades. Mobilizar esses talentos, para que possamos enfrentar com êxito os enormes desafios e oportunidades que já estão postos neste século 21.
Cada vez mais, nosso descaso com a educação se volta contra nós. Encurta nosso horizonte, restringe nosso capital intelectual e criativo, reduz as possibilidades de desenvolvimento pleno da parte da sociedade que tem o poder de nos abrir o futuro. Um descaso que nos faz inverter, por de cabeça para baixo, nossa visão de futuro. Não é infrequente eu ouvir alguém dizer: “precisamos dar educação a essas crianças para que elas tenham um futuro”.
Não. Precisamos dar educação a essas crianças e jovens, para que o Brasil tenha um futuro.
* Publicado originalmente no site Ecopolítica.