Plebiscito sobre a criação dos estados de Carajás e Tapajós inspira movimentos separatistas e abre caminho para outros 11 projetos de novos territórios. Além de mudar o mapa do país, onda alteraria a correlação de forças no Congresso Nacional e teria custo bilionário.
Pouca gente sabe, mas além de ser um dos melhores marqueteiros políticos do Brasil (e notório apreciador de rinhas de galo), o publicitário Duda Mendonça é um bem-sucedido fazendeiro. Responsável por campanhas vitoriosas como a de Paulo Maluf à prefeitura de São Paulo, em 1992, e a de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência em 2002, ele investe parte do que ganha em duas propriedades de terra no Pará. Uma fica na cidade Redenção e outra em Tinguaras, ambas na região de Carajás. Recentemente, o publicitário foi procurado por um grupo de produtores rurais com uma proposta de trabalho não remunerado: comandar a campanha do “sim” no plebiscito sobre a emancipação do Estado do Carajás. Duda teria se empolgado com a ideia e prometido assumir a empreitada a custo zero.
O deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA) se anima ao contar essa história à Fórum. Motivos não lhe faltam. Sem estatura política para sonhar com voos mais altos do que a Câmara dos Deputados, ele é o nome mais cotado para ser eleito o primeiro governador de Carajás em 2014, caso o “sim” saia vitorioso das urnas no plebiscito, que se dará no fim do ano. Além de Carajás, os paraenses definirão no mesmo sufrágio se querem a criação de outro Estado desmembrado do Pará, o Tapajós. “O Duda, que tem duas fazendas na região, se colocou à disposição para fazer a campanha com custo zero. Enquanto aguardamos as regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), estamos organizando comitês locais para colocar a campanha na rua. Vamos arrecadar recursos por meio de rifas e doações”, diz Queiroz. Ele nega os rumores de que o publicitário teria cobrado R$ 50 milhões para abraçar a causa.
Queiroz aguarda uma decisão do Superior Tribunal Federal (STF), que será definitiva em seu projeto de poder. Os magistrados ainda não definiram quem poderá votar: se todos os habitantes do Pará ou apenas aqueles que moram nas regiões que pleiteiam autonomia. “O Pará que sobraria do desmembramento teria 17% do território e 70% dos eleitores. As pesquisas indicam que, se todos os paraenses votarem, o “não” vencerá”, afirma o cientista político Edir Veiga, professor da Universidade Federal do Pará. “Acho que só a população diretamente interessada deve ser ouvida. Existe jurisprudência nesse sentido. Nenhuma cidade do Brasil foi criada de outro modo”, sustenta o parlamentar do PDT. Questionado sobre o sonho de ser governador, Giovanni Queiroz desconversa. “Isto é brincadeira que amigos fazem comigo. O fato é que, se o Estado for criado, a região do Pará passará por uma multiplicação de sua força política.”
O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) tem uma opinião diametralmente oposta. “Esse dilema do STF não resolve a questão da legitimidade. O impacto da criação de dois novos estados seria nacional. Logo, o país inteiro deveria ser ouvido.” Seu partido foi um dos únicos no Congresso que se posicionaram contra a realização do plebiscito. Segundo Valente, a criação de Carajás causaria uma “brutal deformação federativa”.
No muro
Apesar de ser um tema com potencial para mudar radicalmente o cenário político paraense, o plebiscito ainda não despertou interesse entre os políticos tradicionais do Estado. Até agora, quadros locais como Ana Julia Carepa (PT), Flexa Ribeiro (PSDB) e Jáder Barbalho (PMDB) não anunciaram de que lado estão. De acordo com Edir Veiga, o motivo é simples: eles têm mais votos na região de Belém, que é majoritariamente contra a separação, mas não querem se “queimar” com os eleitores de Carajás e Tapajós. Único parlamentar do Pará que recebeu votos em todos os 143 municípios do Estado, o deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA) é um dos poucos que assumem a posição. “Dividir o Estado seria dividir o apartheid social e a miséria. Temos o pior Ideb do Brasil e o 2° pior IDH da Amazônia, mas temos também 50% das reservas de commodities de exportação de minério de ferro do Brasil”, argumenta. “A Cia. Vale do Rio Doce teve um lucro de R$ 30 bi no ano passado, mas não recebemos um centavo disso, porque o ICMS é todo cobrado no consumo em vez de ser na fonte. Estamos patrocinando o desenvolvimento do Sudeste”, opina.
Político forjado no antigo Partido Comunista, Jordy se intitula adversário das oligarquias da região. “Tem deputado dizendo que, com a divisão, vai acabar a concorrência. Estão pensando só em seus interesses pessoais. A divisão é ruim. Não sou favorável.” O repórter tentou ouvir a opinião do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Seus assessores disseram que ele defende a consulta em todo o Estado, e não apenas na região diretamente interessada. Posição no plebiscito? “Ele não vai entrar nesse mérito”, disse um assessor. Apesar de ser da região do Tapajós, a senadora Marinor Brito (Psol-PA) também não teme assumir sua posição contrária à divisão. “São os interesses do agronegócio e das mineradoras que estão por trás da proposta da divisão. Com a criação de dois novos estados, eles ficariam mais próximos da classe política. Onde há interesse das elites, o povo leva a pior”, assegura. Esta é também a posição oficial de seu partido no Congresso.
Segundo estudo feito em 2010 pelo cientista político Roberto Corrêa, da Universidade Federal do Pará, a pedido da campanha da ex-governadora Ana Júlia Carepa, a divisão do Pará em três estados fortaleceria o PT e o PMDB. Não por acaso, a principal líder do movimento pelo “sim” em Tapajós é a prefeita de Santarém, a petista Maria de Carmo Lira. Tida como favorita para o governo do Tapajós em 2014 em caso de separação, ela ficou em primeiro lugar na região em 2002, quando disputou o governo estadual. Detalhe: Santarém deve ser a capital de Tapajós em caso de vitória do “sim”.
Custo separatista
O plebiscito sobre a criação de Carajás e Tapajós pode desencadear uma onda separatista no Brasil. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional 11 projetos de lei propondo a criação ou plebiscito para a formação de 13 novos estados na federação brasileira. A maior parte está travada na complexa rede de tramitação do Congresso, mas pode ser ressuscitada a qualquer momento, dependendo dos humores das duas casas.
O histórico do Parlamento mostra que projetos exóticos chegaram perto de ser aprovados, mas acabaram arquivados. É o caso do projeto de criação do estado de São Paulo do Leste, proposto pelo deputado federal Bispo Wanderval (PL-SP); São Paulo do Sul, ideia de Kincas Mattos (PSB-SP) e Minas do Norte, projeto de Romeu Queiroz (PTB-MG). Se o exemplo do Pará pegar e todos forem bem-sucedidos, o Brasil passaria a ter 40 subdivisões. Além de consequências políticas, esse movimento teria um alto custo financeiro. O valor? Por ano, R$ 10,8 bilhões para a sua criação e manutenção. O cálculo foi feito pelo economista Rogério Boueri, analista do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Ele assina um detalhado relatório sobre o tema chamado “Custos de funcionamento das Unidades Federativas brasileiras sobre a criação de novos estados”. O trabalho conclui que, em média, cada Estado teria um custo de quase R$ 1 bilhão. No caso de Tapajós e Carajás, eles demandariam R$ 995 milhões cada. “Certamente o plebiscito sobre a criação de Carajás e Tapajós terá o impacto de encorajar as propostas que já existem e outras. Esta é uma forma muito cara de fazer o dinheiro chegar à região”, diz Boueri. À Fórum, ele se diz contra os movimentos separatistas. “Boa parte desse dinheiro vai acabar nas mãos de políticos e assessores em cargos de confiança. Os maiores beneficiados seriam os políticos locais, já que o coeficiente eleitoral cairia muito. Seria mais fácil vencer uma eleição em Tapajós do que em Belém.”
O Congresso Nacional também sentiria o impacto da mudança, já que a quantidade de deputados e senadores cresceria. Na hipótese de as 13 novas unidades territoriais serem aprovadas, a Câmara dos Deputados receberia nada menos que 104 novos parlamentares. Ou seja: aumento de 20%. O Senado também teria que se adaptar. Dos atuais 81 senadores, a casa saltaria para 120. A maioria dos novos estados fica nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que implicaria um desequilíbrio na correlação de forças regionais do Parlamento. Vale lembrar que cada parlamentar tem uma extensa lista de benefícios: carros com motorista, apartamento funcional, gabinete em Brasília e escritório político na base, funcionários nos dois locais, cota de correio… “Haveria também mais um monte de deputados estaduais, com tudo que eles têm direito”, lembra Boueri.
Segundo o estudo do Ipea, a extensão territorial de um estado tem relação direta com seu gasto público, uma vez que os estados maiores necessitam de mais infraestrutura. Quanto maior for o número de municípios, maior tem que ser a máquina estadual. Ainda de acordo com o estudo, em alguns dos estados propostos, como Rio Negro e Solimões, o gasto estadual superaria o Produto Interno Bruto (PIB) da unidade federativa, atestando a completa inviabilidade das proposições. O Instituto levou em consideração todos os projetos apresentados desde 1992. Além de um novo mapa, o país precisaria de um novo orçamento, um novo parlamento e, certamente, de muito jogo de cintura para enfrentar uma nova guerra fiscal.
Violência seria cartão postal do novo Estado
Se a divisão do Pará for aprovada no plebiscito, Carajás nascerá com o triste título de Estado mais violento do país. São 58 assassinatos para cada cem mil habitantes, sendo que a cidade de Marabá, candidata a capital do novo Estado, teve em 2009 uma taxa de homicídios de 133 por cem mil habitantes, segundo dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde.
Por mais paradoxal que seja, a população de Marabá cresce em ritmo vertiginoso. A região, que foi povoada por índios, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas, começou a receber imigrantes, em sua maioria nordestinos, nos anos 1970, quando o governo patrocinou diversas obras de infraestrutura na região. A esperança de quem chegava era conseguir empregos em obras gigantes como as rodovias Transamazônica e Belém–Brasília. Com o fim das obras, milhares de trabalhadores sem-terra ficaram na região. Vem daí a origem da violência brutal que assola a região: a disputa por terras.
Em 2005, o governo criou um órgão específico para combater os crimes da região, a Delegacia de Crimes Agrários. A iniciativa, porém, não resolveu o problema. No pequeno espaço de 20 dias, entre 24 de maio e 9 de junho últimos, cinco trabalhadores rurais foram assassinados. Em todos os casos, a polícia teve dificuldade para conseguir informações básicas, como a data exata do crime, a arma usada e o número de tiros disparados. A única referência do poder público para tentar avançar nas investigações é a Comissão Pastoral da Terra, o braço da Igreja Católica no campo.
Eldorado às avessas
Um estudo feito pela Vale do Rio Doce calcula que o número de moradores na cidade chegará a 300 mil até 2014. O maior atrativo da região é, claro, a própria siderúrgica. Outra sina da “capital” de Carajás é o trabalho escravo. Só nos últimos cinco anos, o Ministério Público Federal de Marabá ajuizou 150 ações por trabalho escravo. Apesar de ser o destino migratório de milhares de pessoas que sonham com uma vida melhor devido à Vale, Marabá conta com apenas 76 policiais civis. Ao todo, os 20 municípios do sudeste do Pará contam com apenas 208 policiais.
A ausência do poder público no local é um dos argumentos dos defensores da divisão do Estado. “As mortes do Pará aconteceram devido à ausência do Estado. O Pará não tem braços para cobrir toda aquela região. Isso justifica nosso pleito”, diz o deputado federal Giovanni Queiroz. Outro dado alarmante foi divulgado pela Ouvidoria Agrária Nacional da Presidência da República. Nada menos que 98% dos assassinatos no campo ocorridos no Pará nos últimos dez anos ficaram impunes. O estudo do órgão revela, ainda, que a grande maioria das mortes é ligada a disputas por terras e recursos naturais.
Antigas demandas
Entre os projetos que tramitam no Congresso, o mais antigo e que conta com o lobby mais organizado é o que propõe a criação do Estado do Mato Grosso do Norte. Seus defensores, em sua maioria representantes do agronegócio, afirmam que a região foi abandonada pelo governo do Estado do Mato Grosso desde a criação do Mato Grosso do Sul, em 1977. Pelo projeto, o Mato Grosso do Norte ficaria com as cidades de Alta Floresta, Apiacás, Aripuanã, Boa Esperança do Norte e Brasnorte, entre outras. Já a região do Araguaia é muito mais influenciada pela capital de Goiás, Goiânia, do que por Cuiabá. A única proposta de separatismo na região Sudeste é a proposta de criação do Estado do Triângulo, na região do Triângulo Mineiro. Ele nasceria com 66 municípios, entre eles os dois maiores polos de criação de gado do Brasil: Uberaba e Uberlândia. Em seu território viveriam 2.176.060 pessoas, cerca de 11% da população mineira, com 20% de seu PIB.
Tocantins virou oásis político
A história da criação do Estado do Tocantins é um bom exemplo de como políticos locais podem ganhar projeção nacional com o separatismo. Em 1987, o então inexpressivo deputado goiano Siqueira Campos, à época relator da Subcomissão dos Estados, redigiu e entregou ao comando da Câmara dos Deputados o texto propondo a criação de um novo Estado no norte de Goiás. Em 15 de novembro do ano seguinte, acontecia a primeira eleição do novo Estado.
Em 1° de janeiro de 1989, o Estado foi oficialmente instalado, já com toda sua estrutura montada. A cidade de Palmas, que foi inaugurada em 1990, foi construída especialmente para ser a nova capital e sede do governo. Desde sua criação, Siqueira Campos, o atual governador, é o maior cacique regional. Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por unanimidade, o mandato do governador Marcelo Miranda (PMDB), e de seu vice, Paulo Sidnei Antunes (PPS). O TSE julgou um processo no qual os dois foram acusados de abuso de poder, compra de votos e uso indevido dos meios de comunicação social nas eleições de 2006. O Estado atraiu diversos aventureiros da política, como o treinador Vanderlei Luxemburgo, que tentou ser candidato ao Senado pelo PT do Estado, sem sucesso.
Quais seriam os novos estados e suas capitais
Mato Grosso do Norte: Sinop
Território Federal do Pantanal: Corumbá*
Araguaia: Barra do Garças
Estado do Triângulo: Uberlândia*
Estado do Rio São Francisco: Barreiras
Gurgueia: Alvorada do Gurgueia
Maranhão do Sul: Imperatriz
Carajás: Marabá
Tapajós: Santarém
Território Federal do Oiapoque: Oiapoque
Território Federal do Alto Rio Negro: São Gabriel da Cachoeira
Território Federal do Solimões: Tabatinga
Juruá: Eirunepé
Fontes: IPEA e Câmara dos Deputados
* O PDC 570/08, de autoria do deputado Elismar Prado (PT-MG), que reivindica a realização de plebiscito para a criação do estado do Triângulo, e o PDC 1027/03, de autoria do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que propõe a realização de plebiscito para criar o território federal do Pantanal, foram arquivados em 1º de fevereiro de 2008, mas podem ser desarquivados mediante requerimento dos autores, dentro dos primeiros 180 dias da primeira sessão legislativa ordinária da atual legislatura, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.
Entenda a diferença entre estados e territórios
O economista Rogerio Boueri, do Ipea, explica que os territórios se diferem dos estados por terem certa autonomia política, mas serem em última instância administrados pelo governo federal. Atualmente, não existem mais territórios no Brasil; o último foi o território de Fernando de Noronha, que foi anexado a Pernambuco na Constituição de 1988. Acre, Amapá, Rondônia e Roraima foram criados como territórios e, depois, se transformaram em estados.
* Publicado originalmente no site da Revista Fórum.