O vexame dos transportes no Brasil

O Brasil é o quarto maior país em área continua do planeta: a distância entre o Rio de Janeiro e o Acre, ou entre o Rio Grande do Sul e o Ceará, equivale à de Lisboa a Moscou. São dimensões continentais que exigem grande esforço para serem vencidas e tornam nosso sistema de transportes fundamental para nossa integração e desenvolvimento.

Assim, os grandes países, como Canadá, China, Rússia, Estados Unidos, e a União Europeia, se esforçam continuamente para reduzir os custos de transporte, investindo e modernizando a infraestrutura e tornando as distâncias cada vez menos importantes na equação econômica. Porém, no Brasil, os longos trajetos são vencidos predominantemente por caminhão. Esta distorção nos impõe extraordinários prejuízos, dentre os quais uma ocupação territorial desequilibrada onde se destaca uma vasta região interior de acesso caro e difícil, pouco povoada, contrastando com uma faixa costeira abrigando quase 80% da população e da economia.

Para ilustrar a escala deste absurdo, imaginamos o Brasil possuindo um sistema de transporte semelhante ao do Canadá, com sua participação racional de rodovias, ferrovias e navegação, cada qual atuando em sua faixa própria: caminhões em distâncias curtas e médias, ferrovias e navegação nos trajetos maiores e nos troncos de grande densidade de tráfego). E calculemos os benefícios resultantes.

Um PIB a mais de benefícios

As contas foram efetuadas à luz da experiência que acumulamos no desenvolvimento dos grandes corredores ferroviários de Carajás, Norte – Sul, Ferronorte e Centroleste. Os resultados obtidos foram extraordinários: ao longo dos próximos 25 anos, o PIB brasileiro cresceria cerca de 3,8 trilhões de reais, o que equivale ao PIB atual. Ou seja, cresceríamos um PIB a mais no período considerado. Seriam arrecadados 660 bilhões de reais adicionais em impostos, economizaríamos 130 bilhões em manutenção rodoviária e 30 bilhões em acidentes. Além do fator financeiro, cerca de 360 mil mortes nas rodovias seriam evitadas.

As empresas também se beneficiariam muito. Elas fariam uma economia de por volta de 800 bilhões de reais em frete, uma fantástica quantia que seria reinvestida em suas atividades, aumentando a competitividade, reduzindo preços, ampliando mercados e aliviando pressões inflacionárias. O país deixaria de consumir cerca de 600 bilhões de reais em óleo diesel, energia equivalente a dez vezes a geração anual de Itaipu, evitando a emissão de 800 milhões de toneladas de dióxido de carbono, uma significativa contribuição à mitigação do aquecimento global.

As ligações ferroviárias e hidroviárias entre a vasta região central e a faixa litorânea do país, reduzindo os elevados fretes atuais, induziriam uma onda de desenvolvimento no interior, gerando mais de 30 milhões de empregos distribuídos por centenas de novas cidades. Tal ocorrência poderia absorver a sobrecarga dos grandes fluxos migratórios dos municípios costeiros. Por sua vez, as próprias cidades litorâneas, substituindo o caminhão pela navegação de cabotagem, estimulariam fortemente o comércio entre si, que é feito atualmente por estradas em condições precárias, sobretudo. Seriam inúmeras oportunidades de desenvolvimento, inclusive integrando os grandes centros litorâneos do País com as dos países vizinhos, desde a Patagônia até a Venezuela.

Ao contrário do que parece, para este resultado não seria necessária uma quantia muito alta de investimentos. O cálculo aponta para uma injeção entre 40 e 60 bilhões de reais, aplicados ao longo de dez anos na construção de troncos ferroviários, aquavias e portos. É uma quantia irrisória em face dos benefícios auferidos. E, como importante conseqüência do processo, planejando com inteligência e focando os interesses do País, poderíamos criar uma poderosa indústria ferroviária, portuária e de navegação próprias, como ocorre com nossa indústria aeronáutica.

A agricultura, uma das grandes vítimas do gargalo do transporte atual, seria grandemente beneficiada, como demonstrado pelos 600 milhões de reais economizados em fretes nos últimos 10 anos pelo Corredor Centroleste (entre Goiânia e Vitoria), onde 1800 quilômetros de ferrovias transportam cerca de quatro milhões de toneladas de grãos por ano, embarcando-as em navios de até 120 mil toneladas. Seria o efeito da transformação da matriz sobre o setor agrícola como um todo.

Como se vê, estamos diante de um projeto transformador do país, cuja realização depende da conscientização e do apoio do governo, da sociedade, dos usuários e dos investidores, contrapondo-se às forças que vem controlando nossa política de transportes por mais de meio século, sustentando uma idade das trevas em termos de logística. Uma era que parece não ter fim, indiferente a  ferrovias, hidrovias, navegação, eclusas, portos, estaleiros, laboratórios, centros de pesquisa e cursos de engenharia. Um período ao longo do qual órgãos públicos foram corrompidos e desestruturados, cargos técnicos ocupados por leigos ou coisa pior, portos tratados como feudos políticos, ferrovias privatizadas sem obrigação de redução de fretes, pulverização de usuários, ampliação da malha, desenvolvimento de novas regiões e eletrificação. A navegação de cabotagem permanece embrionária, e as rodovias, castigadas por excesso de trafego, pesos e manutenção precária.

Os custos do status quo são catastróficos, e seu esquema mantenedor aparenta ser indestrutível, capaz de absorver investidas periódicas e se recompor sempre. Parafraseando Cícero: quosque tandem?

* Paulo Augusto Vivacqua é Professor Emérito de Engenharia da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), presidente da Academia Nacional de Engenharia e presidente do Corredor Atlântico do Mercosul.

** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.