Istambul, Turquia, agosto/2011 – O aparentemente eterno problema da entrada da Turquia na União Europeia (UE) se converteu em um assunto batido, mas do qual é impossível desviar o olhar. As chamadas para a oração que vêm dos minaretes se misturam com o barulho do tráfego permanente em horas de pico. As ofertas e o burburinho nas lojas do monumental Grande Bazar se cruzam com as infiltrações da “civilização” ocidental.
Contudo, para passar para o lado europeu mental e político, a Turquia deve enfrentar uma série de obstáculos, alguns de tal magnitude que produzem cansaço no governo e no povo. Se, há uma década, mais de 70% da população via como meta a entrada na União Europeia, agora apenas 25% a desejam, enquanto mais da metade é contra. Este é, agora, o principal obstáculo.
Uma visita obrigatória à zona das principais mesquitas (a “azul” e a antiga basílica cristã de Santa Sofia) e ao palácio real de Topkapi recorda com contundência que a Turquia tem um passado perfeitamente instalado no presente. Sobre seu enorme uso turístico, a monumentalidade da área nobre recorda que o país tem um discurso nacional muçulmano, embora os números sobre crença efetiva sejam duvidosos e apenas passam de um terço.
O obstáculo para entrar na UE não é, no entanto, religioso, mas pelo fato de os turcos – para dizer cruamente – são “muitos”: 74 milhões. A Turquia se converteria no Estado maior da União Europeia, ameaçando a Alemanha (81 milhões) em sua posição demográfica privilegiada. A entrada da Turquia na UE representaria a adição de uma língua ou família compartilhada por mais de 200 milhões de pessoas, contando-se os cidadãos de países que se estendem até as fronteiras da China. Seria a língua mais falada, superada apenas pelas cinco oficiais das Nações Unidas.
Esta referência à magnitude demográfica da “língua” turca é reflexo de um fenômeno adicional entre os obstáculos para a entrada da Turquia na UE. Pode ser apenas um mecanismo de identidade, como proteção diante da impossibilidade do casamento com Bruxelas. Trata-se da sobrevivência de um sentimento ou uma ambição (depende de como se olha) por uma sutil (ou explícita) nostalgia pelo Império Otomano.
Em outras palavras, que a redução do território, causada pelo implacável declínio político e militar que se precipitou até a I Guerra Mundial, não é barreira para a sobrevivência de uma Grande Turquia, que teria uma base linguística e a presença efetiva em alguns países próximos. Não se sabe se para a Otan ou para a UE a existência de uma Turquia ampliada com influência estabilizadora é uma vantagem ou um desafio incerto.
No entanto, a principal pendência da Turquia é a sobrevivência do enfrentamento entre dois campos irreconciliáveis, em uma competição que só agora dá sinais de resolução: o poder civil perante o militar. O curioso deste duelo é que uma grande parte da oficialidade turca se mostra inflexível sobre a manutenção da separação entre religião e Estado. É a aplicação do código implantado por Kemal Atarturk em 1922, como medida central da modernização do país. Essa missão dos militares permitiu que se imiscuíssem na política, um tema espinhoso que incomoda Bruxelas.
Esse caminho seguido desde então foi desafiado pela evolução do Partido de Justiça e Desenvolvimento, que conseguiu sucessivas e impressionantes vitórias nas últimas eleições. Liderado pelo primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, oferece um perfil “moderadamente” islâmico. Apoiado tanto por classes médias puxadas para cima pelo desenvolvimento como por massas desejando melhorias, Erdogan conseguiu amansar os militares, prendendo e aposentando uma parte da insubordinada alta oficialidade, e depois provocando a passagem para a reserva de quase a totalidade do Estado Maior. Sua próxima aposta pode ser a reforma da Constituição, graças à sua maioria parlamentar. O enigma reside em saber se optará por reforçar o islamismo.
Acima destes problemas continua pairando o veto da Grécia enquanto continuar a ocupação de meio Chipre e o medo de Atenas diante da imigração turca descontrolada. Como remédio, se constrói um fosso medieval para tapar a porosa fronteira. Finalmente, a Turquia deve sofrer as consequências da insistência de sucessivas administrações norte-americanas em avalizar a bondade da entrada na UE, como justa recompensa por contribuir na defesa dos interesses de Washington no Oriente Médio. É uma lógica que não agrada em nada Bruxelas e outras capitais europeias.
Ancara, no entanto, tem dificuldade para ingressar na UE, mas agora esse detalhe começa a não tirar o sono dos turcos. Não se sabe quem perde. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).