Amazônia: a saída é a floresta de alimentos! – parte 2

Cestos de açaí. Foto: Instituto Peabiru

Se o açaí precisou sair dos furos do Marajó para conquistar as areias das praias cariocas e o gosto do norte-americano. Da mesma maneira, se a castanha-do-Pará, ou da Amazônia (porque tem no Acre, no Mato Grosso, no Amapá, na Bolívia, Peru…), como deve ser, há anos ocupa especial atenção no mix de salgadinhos europeu e norte-americano, é porque a Amazônia tem algo mais a oferecer que carne clandestina (2/3 da carne consumida na Amazônia é pirata!).

Vamos discutir a região a partir das sete maravilhas da Amazônia, os gatilhos para devorar a floresta, que poderão salvar a Amazônia da catástrofe. São elas, sem uma ordem precisa: 1) a família das farofarinhas – as mandiocas (a brava e a mansa); 2) as três palmeiras, as árvores da vida – açaí, babaçu e pupunha; 3) a pílula da felicidade: a castanha-da-Amazônia (do Pará); 4) os chocolatáveis – os primos-irmãos cacau e cupuaçu; 5) as frutas regionais; 6) os temperos loucos; e 7) o adoçante natural premium: o néctar, mel das abelhas nativas.

Vamos aos detalhes.

1) A família das farofarinhas

A farinha de mandioca é o que os primeiros portugueses chamaram de farinha-de-pau. Nossa equação tem três desafios quando se trata da mandioca (a brava, que dá a farinha, a mansa, para comer direto). Primeiro: o amazônida consome três vezes mais farinha de mandioca que a média nacional (cerca de cem gramas por dia, IBGE); segundo: a produtividade da produção de mandioca, e, por consequência, da farinha, por hectare, é muito baixa (pode chegar a vinte vezes a altamente tecnificada do Sul), o que resulta em muito trabalho, grande emprego de terra, baixa renda, danos ambientais (derrubada, queimada, etc.), pouca produção; terceiro: se o preço da farinha aumentar significativamente, muita gente passa fome (mais do que já vimos!).

Solução 1: as políticas públicas federais, estaduais e municipais levarem a sério este problema. Ao invés de se preocupar com o preço dos veículos automotivos, uma vez que as montadoras têm lobby, há que se preocupar com a comida de milhões (o que afeta também o Nordeste do Brasil). Recente estudo sobre a cadeia de valor da farinha de mandioca em Portel, no Marajó, coordenado pelo professor Antônio Cordeiro e dirigido por Marco Antônio Santos, pela Universidade Federal Rural da Amazônia, Instituto Peabiru e Fundo Vale, aponta alguns caminhos.

Solução 2: elevar a farinha de mandioca a produto premium como produto amazônico, com qualidade, higiene, padrão de exportação para outros brasis e o exterior, juntamente com seus agregados, como a goma (para fazer tapioquinha), a tapioca (para acompanhar o açaí e fazer bolo, etc.), o tucupi (o sumo da mandioca, altamente energético e revigorante, o verdadeiro missoshiru da Amazônia, base do tacacá no tucupi), a folha de mandioca (que, uma vez extraído o ácido hidrociânico (HCN), é importante fonte de vitamina A e sais minerais e poderia ser adicionada à merenda escolar).

Solução 3: ensinar o mundo como se come a farinha e seus produtos: o chibé, o beiju, o beiju-cica, a mujica, a curera (para bicho e para gente), o caxiri , etceteras mil… A Amazônia e o Brasil viveram de mandioca como principal fonte de calorias por dez mil anos. Os Tupi dominaram o cenário por 600 anos à base de mandioca e não há que abandonar este conhecimento sem melhor compreendê-lo. Seria o verdadeiro embaixador da culinária amazônica inventando coisas como o chibé-shake!

2) As três palmeiras, as árvores-da-vida

São mais de cem as espécies de palmeiras, mas fiquemos apenas em três: o açaí, o babaçu e a pupunha. Perdoem-me o xis-caboclinho manauara (de tucumã), o miriti (buriti, delicioso), o patauá e seu azeite, a bacaba (bem parecida com o açaí).

O açaí taí para provar que é possível colocar, em menos de dez anos, um produto no mercado, envolver mais de cem mil pessoas na cadeia de valor com todas as precariedades e gerar renda local superior a mais de R$ 2 bilhões (Ideflor/Idesp, 2010). E isto com baixíssima presença do governo, foi tudo invenção do consumidor!

Que se dirá se houvessem políticas públicas consistentes (para não dizer decentes)? O açaí, a superfruta, uma das mais potentes fontes naturais de antocianinas (antioxidante, contra o envelhecimento), lembrem-se, também é a fonte principal alimentar (durante as safras) de mais de um milhão de pessoas, principalmente no estuário do Amazonas e Tocantins. Bem pensada sua logística, para se processar e conservar adequadamente com a higiene necessária e considerando-se o plantio de áreas úmidas degradadas com açaí, teremos uma outra escala de produção e sabedoria. Sem contar que a maior parte do palmito do Brasil é deste açaí. Açaí na tigela com farinha de mandioca (ou tapioca) adoçado com mel de abelhas nativas – prato chefe do Brasil na copa da sustentabilidade.

O babaçu é outra planta da vida, planta-omni, com dezenas de uso, do óleo para culinária e cosmética, do carvão vegetal que substituiria uma usina hidrelétrica de grande porte, do biodiesel à matéria-prima para a indústria química e, principalmente, como alimento. Há o leite das amêndoas (semelhante ao leite humano), como o mesocarpo (entre as cascas) do babaçu, que dá uma farinha excelente, rica em amido e sais minerais, utilizado como anti-inflamatório, para artrites, etc.

Sucede que trezentas mil mulheres, isto mesmo, trezentas mil mulheres, sobrevivem de quebrar o coco – são as heroínas do Brasil – as quebradeiras de coco, e dele tiram uns caraminguás de renda nos Estados do Piauí, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins e Pará. Isto porque nenhum governo levou a sério, até agora, esta questão do babaçu.

A terceira superpalmeira é a pupunha, conhecida de comunidades indígenas e tradicionais. Dela se aproveita quase tudo. O principal interesse está em seu palmito, vendido em conserva. O fruto é um alimento quase completo, contendo proteínas, óleo, caroteno e, principalmente, amido. Possui duas vezes mais proteínas que a banana e pode-se retirar de um plantio de pupunha, somente do fruto, mais em carboidratos e proteínas por hectare do que o milho (que exige o replantio a cada colheita).

Veja aqui a parte 1 do texto.

* João Meirelles Filho mora em Belém, Pará, dirige o Instituto Peabiru e é autor de livros sobre a região: Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro, 2003) e Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros, 2009), e está aprendendo a devorar a Amazônia.

** Publicado originalmente no site O Eco.