TERRAMÉRICA - O exemplo dos maias

Figura do deus da morte, Ah Puch. Mosaico de almêijoas e incrustações de jade e pirita, encontrado em Topoxté, El Petén, 500-800 d. C. Foto: Julio Godoy/IPS

O exemplo dos maias de El Petén, que esgotaram o solo pela pressão agrícola e pelo amor à opulência, deveria nos levar a considerar as consequências do consumo exagerado, afirma nesta entrevista o arqueólogo Richard Hansen.

Paris, França, 5 de setembro de 2011 (Terramérica).- As últimas descobertas arqueológicas na bacia guatemalteca de El Mirador reforçam a teoria de que os maias, antiga civilização construtora de cidades formidáveis, desapareceram por causas ambientais como o desmatamento. A exposição “Maias: do Alvorecer ao Crepúsculo”, que vai até 2 de outubro no Musée du Quai Branly, em Paris, apresenta 150 peças de arte e cerâmica procedentes de El Mirador, norte da Guatemala, e ilustra a complexidade científica e artística da civilização mesoamericana.

As peças – vasos, esculturas, pedaços de monólitos (pedras talhadas) e de relevos – foram encontradas no sítio arqueológico do departamento de El Petén, no norte do país, perto da fronteira com o México. As obras pertencem aos períodos pré-clássico e clássico da civilização maia, aproximadamente entre o ano 1000 a. C e 900 d. C. A civilização maia se desenvolveu ao longo de aproximadamente três mil anos desde o estabelecimento das primeiras aldeias em uma extensa área: o extremo sudeste do México (Estados de Yucatán, Campeche, Quintana Roo, e partes de Tabasco e Chiapas), os territórios da Guatemala e Belize, e o ocidente de Honduras e El Salvador.

E, de fato, ainda existem, pois mais de quatro milhões de pessoas continuam falando as muitas línguas maias em toda a Mesoamérica. A bacia de El Mirador foi um sofisticado complexo urbano, com numerosas cidades de grande extensão, entre elas El Mirador, Nakbé, El Tintal, Wakná e a recém-descoberta Xulnal, unidas por estradas de até 50 metros de largura e várias centenas de quilômetros de comprimento. O sítio inclui edifícios de até 70 metros de altura e volumes superiores a dois milhões de metros cúbicos, maiores do que as pirâmides do Egito.

Ao mesmo tempo que ilustram sobre o alto grau de desenvolvimento científico e artístico dos maias, a cerâmica, e sobretudo a arquitetura, sugerem que o colapso foi causado pela degradação ambiental da região, afirma o arqueólogo norte-americano Richard Hansen, diretor do projeto de pesquisa da bacia de El Mirador e assessor científico da exposição.

TERRAMÉRICA: Quais foram as causas do colapso da civilização maia?

RICHARD HANSEN: Quando falamos de colapso de uma civilização devemos entender desaparecimento, o abandono completo de uma região. No final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os Estados Unidos lançaram bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Porém, em menos de três anos as duas cidades estavam repovoadas. No caso dos maias, não foi assim. Por que abandonaram cidades tão vibrantes, aparentemente tão saudáveis e exitosas como as de El Mirador? Em geral, quando falamos de colapsos de civilizações, a causa é sempre ambiental. Esse foi o caso da Babilônia. Para regar seus campos, os povos da Mesopotâmia usavam água dos rios Tigre e Eufrates. Contudo, a agricultura intensiva esterilizou a terra. Até hoje, a Babilônia continua abandonada. Não é que ninguém queira viver ali, mas é que não se pode viver ali. Algo semelhante aconteceu em El Petén. Os maias recobriram de estuque praticamente todos os muros e solos de seus edifícios e as superfícies de seus monólitos. As análises dos muros que fizemos em El Mirador indicam que, inicialmente, as camadas de estuque não eram muito espessas, de dois centímetros. E, com o passar do tempo, os maias aumentaram a espessura até chegar a 20 ou 30 centímetros. Para preparar tais quantidades de estuque precisavam queimar muita lenha. Para cobrir com estuque apenas uma pirâmide era necessário cortar todas as árvores de uma área com aproximadamente 6,5 quilômetros quadrados. Esse processo de desmatamento, também causado pelas necessidades de agricultura para alimentar uma população de centenas de milhares de pessoas, provocou a esterilização do solo e, em dado momento, obrigou os maias a abandonar suas cidades e emigrar.

TERRAMÉRICA: Por que esse uso excessivo de estuque?

RH: A única explicação plausível é porque sim. É a mesma explicação para o comportamento das pessoas ricas de hoje, que pensam ser necessário uma privada de ouro em seu banheiro. Por que dirigem alguns veículos pesados pelo centro de Los Angeles? Porque sim. Mas o exemplo dos maias deveria nos levar a considerar as consequências desse consumo exagerado.

TERRAMÉRICA: As peças em exposição mostram o grau de desenvolvimento da arte maia. De quando datam as peças expostas e as cidades onde estavam?

RH: El Mirador foi abandonado por volta de 150 d. C. e repovoado cerca de 500 anos mais tarde. A arquitetura desse segundo período consiste em grandes edifícios de pedra com abóbodas, esculturas e relevos, cerâmica e olaria enfeitada com pintura policroma, semelhante às ilustrações dos quatro códigos maias. A cerâmica mostra vasos e pratos de uso diário, e também utensílios empregados em rituais. Cremos que todo esse material de olaria foi produzido na cidade de Nakbé, na bacia de El Mirador.

TERRAMÉRICA: Quais os fundamentos matemáticos da arquitetura de El Mirador?

RH: Descobrimos que os maias conheciam e fizeram uso sistemático de proporções e correlações para construírem seus edifícios. Em El Mirador, escavamos os complexos urbanos mais vastos do continente americano da época. Ao final do período pré-clássico, isto é, entre 350 a. C. e 250 d. C., os maias construíram edifícios com mais de 70 metros de altura e ergueram cidades para centenas de milhares de pessoas, conectadas por ruas de muitos quilômetros.

TERRAMÉRICA: O que El Mirador representa para a interpretação da civilização maia?

RH: Até há pouco, os maias eram vistos como um povo caçador e coletor. Mas El Mirador mostra uma civilização muito complexa, que desenvolveu a linguagem escrita, um sistema de numeração e uma arte e uma arquitetura extremamente sofisticadas.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.