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Alimentos, e dinheiro, para comer melhor

Melhorar a produção de alimentos apenas não basta. Foto: MiriamMannak/IPS

Bangalore, Índia, 8/9/2011 – A distribuição de alimentos é mais eficaz quando é acompanhada de transferência de dinheiro, indicam estudos sobre segurança alimentar realizados na Índia, Brasil e África do Sul, as três potências emergentes do Fórum Ibas. A Índia melhorou muito na produção de alimentos, mas as pessoas não comem bem, diz o estudo realizado, para o Fórum Acadêmico do Ibas, pelo Centro de Política Internacional para o Crescimento Inclusivo, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com sede em Brasília.

Nova Délhi deve atender o problema da pobreza, da fome, da ingestão de nutrientes e do consumo por habitante, indicou o estudo baseado em dados do Banco Mundial, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) e da Instituição Internacional de Pesquisa em Política Alimentar. A situação deste país requer combinar a distribuição de alimentos com a transferência de dinheiro, disse Ramesh Chand, diretor do Centro Nacional de Economia Agrícola, com sede em Nova Délhi, que participou da elaboração do informe.

A redução na produção de cereais desde 1995 é um assunto preocupante na Índia, destacou Chand à IPS. “Temos que assegurar a distribuição de alimentos derivados de gado, cuja produção aumentou, ou resolver a diminuição da ingestão de cereais registrada nas famílias pobres. Contudo, como os mercados não podem atender o enorme consumo, creio que é preciso combinar os grãos com dinheiro”, explicou. A principal ferramenta para a distribuição de alimentos na Índia, além do almoço oferecido nas escolas, é o amplo sistema de distribuição pública (TDPS), o maior mecanismo desse tipo no mundo, que beneficia 160 milhões de famílias.

O orçamento para o subsídio de alimentos 2010-2011 incluiu US$ 14 bilhões destinados a cobrir a diferença entre o custo real dos grãos e o preço fixado pelos programas de bem-estar, incluído o TDPS, bem como manter a armazenagem de trigo e arroz. Porém, o TDPS tem grandes problemas sistêmicos e de infraestrutura, e uma grande quantidade de pessoas necessitadas fica excluída do subsídio. Os grãos autóctones permitem atender o problema da segurança alimentar, afirmou P. V. Satheesh, fundador da Sociedade de Desenvolvimento Deccan, que sugeriu a introdução do milho no TDPS.

O transporte de arroz e trigo para diferentes pontos do país é caro e desestimula a produção do nutritivo milho. Além disso, o cultivo de arroz branco não é sustentável por requerer muita água e o uso de produtos químicos. “O milho oferece alimento, forragem, sustento e é bom para a saúde porque pode ser cultivado em qualquer lugar”, explicou Satheesh.

A transferência de dinheiro, com se faz no Brasil e sugeriu o Fórum Acadêmico do IBAS, é polêmica na Índia. O projeto de lei sobre segurança alimentar, que será aprovado pelo parlamento nas próximas semanas, prevê essa estratégia para ajudar a minimizar a falta de alimentos.

Um grupo de pesquisadores, incluído o economista especializado em desenvolvimento Jean Dreze, enviou uma carta ao primeiro-ministro, Manmohan Singh, em julho, expressando sua posição contra a transferência de dinheiro como alternativa do TDPS. “Pedimos urgência no sentido de garantir que a lei nacional de segurança alimentar inclua as salvaguardas contra a rápida transição da distribuição de alimentos para a de dinheiro”, diz a carta. “A transferência de fundos será um desastre. A posição do Brasil não é a mesma da Índia”, disse alertou à IPS.

A quantidade de pessoas desnutridas aumentou na Índia de 20%, em 1990, para 21%, em 2007, segundo o mapa da fome realizado pela FAO no ano passado. Por outro lado, no Brasil caiu de 11% para 6% no mesmo período, enquanto na África do Sul se manteve em 5%. A estratégia brasileira contra a fome se baseia em uma estratégia mista que compreende mais de 20 programas que objetivam garantir a segurança alimentar, fortalecer a agricultura familiar e gerar renda. O programa de Aquisição de Alimentos do Brasil é um sistema de obtenção e distribuição que comprou, em 2009, a produção de 138 mil agricultores e a doou a 13 milhões de pessoas. O orçamento deste ano foi de US$ 300 milhões.

O forte do Brasil é o programa Bolsa Família, lançado em 2003, que em 2010 transferiu mais de US$ 8 bilhões para 12 milhões de famílias. O Bolsa Família distribui mensalmente uma quantia às famílias em troca de estas cumprirem requisitos em matéria de educação e saúde, basicamente em relação à atenção pré e pós-natal, a vacinação e a escolaridade.

O documento do Ibas sugere que a Garantia Nacional de Emprego Rural da Índia, que oferece trabalho às famílias do campo, é uma experiência para repetir. Na África do Sul, 20% das famílias têm acesso inadequado ou muito inadequado à alimentação, segundo a Pesquisa Geral de Famílias de 2009.

“O maior gasto é em programas de bem-estar social, subsídios, e transferências de dinheiro para que as pessoas possam comprar alimentos”, disse Josee Koch, que colaborou com um documento realizado este ano pelo Instituto Wahenga sobre assistência pública à segurança alimentar nos países do Ibas. “Os subsídios são importantes. Se observarmos uma análise do gasto das famílias pobres veremos que gastam entre 50% e 70% de sua renda na compra de comida. A inflação faz com que seja pouco provável que a proporção diminua”, acrescentou.

Na África do Sul debate-se a sustentabilidade dos subsídios, já que a assistência para uma grande quantidade de beneficiários é paga com os impostos da população economicamente ativa. A Câmara Interministerial de Alimentação e Segurança Nacional e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil foram muito efetivos, segundo os índices de segurança alimentar. A Índia pode oferecer sua experiência em segurança alimentar consolidando um enfoque baseado nos direitos. Envolverde/IPS

* Com contribuição de Terna Gyuse (Cidade do Cabo).