Não adianta negar. O encantamento que o mestre provoca muitas vezes ultrapassa a barreira da admiração e seduz o aprendiz. Ainda mais na adolescência quando os hormônios em ebulição confundem sentimentos. A fantasia envolvendo professor e aluno faz parte do imaginário de muitos jovens. Mas, e se a fantasia se tornar realidade? E se o professor não conseguir resistir à tentação? O tema ainda é um grande tabu entre os educadores e, por mais esforços que se faça, ignorá-lo não é a melhor solução. Mesmo que “cabeças rolem” – ameaça de um diretor de escola de Curitiba (PR) para sua assessora de comunicação, caso a informação de um professor que havia namorado uma aluna vazasse para a Profissão Mestre –, não falar do assunto não faz o problema desaparecer. Proliferam na internet histórias sobre casos entre docentes e estudantes e, só no Orkut, milhares de jovens participam de comunidades do gênero “Eu já fiquei com um professor”, “Eu já beijei meu professor”, “Já peguei minha professora”, entre outras de títulos mais pejorativos.

O tabu existente hoje está inserido em um contexto histórico e religioso. Durante muito tempo, a educação ficou a cargo da igreja católica e o saber era associado à virtude, como um exercício puro que ajudava os discípulos a se afastarem do pecado e, consequentemente, dos prazeres da carne. Os professores eram vistos como figuras quase transcendentais, distantes dos sentimentos profanos e da realidade, que participavam apenas das esferas mais elevadas do intelecto e do espírito. Os educadores da atualidade já não gravitam mais nesta dimensão transcendental, porém o tabu e a negação destes sentimentos que podem surgir permanecem, o que provoca distorções ainda mais graves. “Deste passado de negações, onde a figura do mestre deveria representar a figura luminosa de um ente desterrado das coisas do mundo e seus desejos, criou-se a negação e com ela os preconceitos que são aliados fortes da perversidade, da violência e dos grandes desvios”, destaca o professor doutor do departamento de Filosofia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também membro do Comitê de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, Sandro Cozza Sayão.

Rompidos o tabu e o silêncio, vamos abordar a questão de maneira franca, sem hipocrisia, levando em consideração os aspectos legais, éticos e, sobretudo, humanos. Do ponto de vista do Código Penal, é importante lembrar que a prática sexual ou qualquer outro ato libidinoso com menores de 14 anos é crime sujeito à prisão. O envolvimento com jovens entre 14 e 18 anos, dependendo do contexto, também pode ser considerado ato ilegal (para saber mais, veja o quadro “Envolvimento com Menores Pode Ser Crime”). Apesar da legislação, existem professores que se arriscam e se envolvem com menores de idade. A estudante Débora*, de uma cidade no interior da Bahia, “ficou” com seu professor de geografia quando tinha apenas 13 anos e cursava a 7ª série. O envolvimento com o docente, na época com 35 anos, aconteceu em uma Festa Junina fora da escola. Segundo a garota, o relacionamento durou cerca de dois meses e acabou sendo descoberto pela diretora da instituição de ensino católica. A freira chamou os dois para uma conversa e foi categórica ao afirmar que o envolvimento não poderia continuar porque denegriria a imagem do colégio. A jovem lembra do episódio como “horrível”, pois se sentiu constrangida com a situação. Entretanto, o professor, contrariando as ordens da diretora, não colocou um ponto final na relação e foi a jovem que acabou decidindo não continuar. Quando Débora completou 16 anos e não estudava mais na mesma escola, os dois voltaram a se encontrar e, desta vez, além dos beijos, houve contato sexual.

É natural que exista o encanto das meninas pelo professor mais velho, dos meninos pela professora ou qualquer outra combinação possível nestes tempos de aceitação da diversidade sexual. Entretanto, do ponto de vista ético, cabe ao docente tomar o distanciamento necessário para interpretar esses sentimentos e reverter a situação, lembrando do seu papel principal de educador. “Entre professor e aluno há uma disparidade natural necessária ao processo de ensino e aprendizagem. Os papéis diferenciados acabam delegando ao professor certas instâncias de poder e isso para alguns encanta, apaixona e envolve, assim como cria repulsa ou impulsos de violência em outros. E por esta diferença caberia ao professor a maturidade para saber ler os sentimentos que surgem e se manifestam diante dele”, afirma Sandro Sayão, que também já teve que lidar com situações delicadas de alunas e até um aluno que se declararam “apaixonados”, porém em outra esfera, já que eram estudantes universitários, portanto adultos. Uma das alunas deixava toda semana em sua caixa de correspondência na universidade uma carta com vários beijos de batom. Em todos os casos, o professor conseguiu “instaurar um novo compasso para as relações”, mais pela postura que adotava do que pelas palavras.

Mas quando o assunto refere-se a alunos de ensino fundamental e médio a disparidade de idade e de posição de poder é muito maior e, por consequência, qualquer sentimento que encontre ressonância no professor deve ser analisado em profundidade. Para o professor da UFPE, ao perceber a paixão ou um interesse específico de um aluno, o educador deverá, antes de tudo, saber lidar com suas próprias fragilidades, com suas carências, para assim saber interpretar e conduzir o acontecimento com o distanciamento capaz de lhe dar a clareza necessária para desdobrar o processo. Já o professor que sente atração por uma criança pode ter problemas mais graves que não podem ser ignorados. “Um adulto se ver atraído por uma criança revela uma perturbação séria, que tem implicações psíquicas que exigem ajuda especializada. As escolas preparatórias de professores deveriam reservar espaços para discutir este tema com seriedade”, enfatiza Sandro Sayão.

Igualdade

Existem outros aspectos, além da admiração e da afinidade com o conteúdo ministrado, que podem levar o estudante a se interessar pelo educador de outro modo. Um deles é o desafio de romper barreiras. “Para o aluno, a figura do professor se torna também objeto de atração, pois é como se ele se sentisse estimulado a romper o tabu da distância e provasse para todos que o professor é também uma pessoa de carne e osso”, afirma Antonio Álvaro Soares Zuin, psicólogo e professor-associado do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), autor do artigo Tabus Sexuais entre Professores e Alunos e do livro Adoro Odiar meu Professor: o Aluno Entre a Ironia e o Sarcasmo Pedagógico (Editora Autores Associados). Atualmente, está ficando mais fácil para os estudantes ultrapassarem esta barreira da distância, pois os professores têm buscado uma relação de igualdade e proximidade com os alunos que acaba por confundir os papéis.

A estudante Alice*, de Curitiba, ficou interessada pelo professor de português depois que ele apareceu vestindo uma camiseta da banda norte-americana The Doors. O gosto musical comum rendeu conversas no intervalo e após as aulas que acabaram evoluindo para uma “ficada” logo depois do fim da 8ª série, quando a aluna tinha 14 anos e o docente, que era comprometido, 26. A jovem afirma que foi ela quem insistiu para que os dois se encontrassem. E durante o momento em que passaram juntos, no carro do professor, os dois também fumaram maconha. “Não o via mais como professor, me sentia como amiga dele”, resume Alice, que atualmente é assistente administrativo-financeiro, sobre o que sentiu quando começou a se aproximar do educador. Este caso ilustra bem como em algumas situações a disparidade entre professor e aluno simplesmente desaparece. Sentindo-se mais próximos, os estudantes ficam mais ousados nas investidas.

O jogo de sedução e poder sempre estará presente, porém o educador hábil, que reconhece esta dinâmica, poderá conduzir a relação por outro ângulo. “Numa situação em que prevalece o olhar amoroso do mestre, o próprio aluno se sente estimulado a se interessar mais pelos conteúdos da matéria em questão, justamente porque se sente respeitado pelo professor que o ouve e considera suas opiniões durante as discussões dos conteúdos das matérias”, ressalta o psicólogo Zuin.

Existe uma diferença entre ser próximo do aluno e tentar ser igual. Para o professor de geografia Alexander Bassoli Honeger, que leciona nos colégios Padre Silvestre Kandora e Professor Francisco Zardo, na capital paranaense, atualmente é fundamental que o educador encontre meios de cativar o estudante. “Hoje em dia é necessário que o professor tenha uma certa proximidade com o aluno, inclusive para que haja um pouco mais de interesse pela matéria desse professor”, revela. Porém, isto não significa que o educador deva se igualar aos discentes. Sandro Sayão acredita que o docente precisa resgatar sua diferença, não no sentido hierárquico distante do aluno, mas como característica fundamental para o processo pedagógico. Ele defende que é a partir do encontro das diferenças que surgem novas disposições, novos horizontes, fundamentais para o aprendizado, que não acontece da mesma forma entre pessoas que estão no mesmo nível de conhecimento e maturidade. “Com isso não veto a aproximação, mas uma aproximação respeitosa, equilibrada e que preserve certas disposições”, esclarece.

Considerando as diferenças como parte importante do processo de ensino e aprendizagem, fica difícil imaginar uma relação de namoro entre professor e aluno que não interfira neste cenário. Apesar de as garotas entrevistadas terem dito que nunca foram privilegiadas pelos seus mestres, a visão que elas possuíam deles mudou. Mesmo assim,               ninguém está livre do seu lado humano e o amor pode surgir em sala de aula, sobretudo quando a idade for compatível. Em qualquer situação, porém, é preciso analisar a origem dos sentimentos e saber identificá-los quando não passarem apenas de projeções dos jovens em relação à figura do professor.

* Nomes trocados para preservar a identidade das entrevistadas.

** Publicado originalmente no site da revista Profissão Mestre.