Nos Estados Unidos, disseram que os norte-americanos vão escrever de modo “infantil”. No Brasil, chamaram educadores às ruas caso tal medida chegasse ao país. Tudo porque o Estado de Indiana tornou opcional o ensino de letra cursiva. Nos próximos anos, ela deve ser banida em definitivo, algo que pode ser seguido por outros 40 Estados.
Defensores da proposta argumentam que as comunicações por celulares e computadores tornaram quase desnecessário escrever com papel e caneta. Mas críticos veem nisso algo como um assassínio cultural em massa. Um exagero como a polêmica que envolveu o livro Por uma Vida Melhor, de Claudio Bazzoni, acusado de ensinar a “falar errado”, avalia Luiz Carlos Cagliari, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
Isabel Frade, professora da Faculdade de Educação e pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diagnostica uma falta de análise mais aprofundada do que é relevante na cultura escrita. “Não podemos defender o ensino só por tradição, mas, sim, pensar se existe uma prática social em que ele se sustenta.”
Para ambos, a letra cursiva não é um fator essencial para a alfabetização. Cagliari, porém, é categórico ao determinar que ela não deve ser ensinada até que o aluno saiba ler. “A escrita da escola, além de ser cursiva, é manuscrita e concatenada. E, por ser concatenada, achamos problemas específicos na alfabetização.” Isto porque diferenciar os caracteres de uma palavra “na letra da professora” pode ser mais complicado para quem está sendo alfabetizado.
Frade avalia que mais importante que o formato é a legibilidade. Mas pondera: “Se pararmos de ensinar letra cursiva, os alunos vão dar conta de textos de gerações anteriores?”
A despeito das diferenças socioeconômicas e culturais que separam as escolas brasileiras das americanas, Cagliari diz não ver problemas no uso de computadores na alfabetização caso o modelo venha a ser adotado no país algum dia. Todavia, a antecipação de uma possível escola toda digitalizada não é, para Frade, justificativa. “Não se pode pensar em rompimento histórico nas práticas de escrita. O que varia são os elementos usados para escrever: barro, terra, instrumentos, objetos, pena de ganso, caneta, etc.”
O que ficaria de fora, nessa hipótese, seria o lado artístico. “A caligrafia tem importância artística, mas a aula de artes terá de dar conta disso”, diz Cagliari, que aconselha: “O melhor é entender a situação. Ser prudente e não covarde. Queremos viver no mundo dos nossos filhos, não no dos nossos avós”.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.