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O negócio da ajuda ao desenvolvimento

Bruxelas, Bélgica, 9/9/2011 – A ajuda ao desenvolvimento não é efetiva porque é concedida, mediante contratos de milhares de milhões de dólares, para empresas de países ricos, um fenômeno chamado assistência bumerangue, segundo um estudo da Rede Europeia sobre Desenvolvimento e Dívida (Eurodad). Mais de dois terços dos contratos de assistência estão concentrados em empresas de países ricos, afirma o estudo da Eurodad, uma rede de 58 organizações não governamentais de 19 nações europeias que pesquisa sobre dívida, economia de desenvolvimento e redução da pobreza.

A publicação dos resultados da pesquisa acontece antes do Quarto Fórum de Alto Nível, que acontecerá em dezembro na cidade de Busan, na Coreia do Norte, onde se reunirão governos e vários outros atores para analisar como conseguir maior efetividade da assistência ao desenvolvimento. A Eurodad estudou casos em Uganda, Namíbia, Gana, Bangladesh, Nicarágua e Bolívia. Uma de suas conclusões vincula a efetividade da ajuda com a aquisição ou compra de bens e serviços para implementar essa ajuda. A aquisição se refere à concessão de contratos para empresas privadas para projetos de assistência, como construção de estradas, fornecimento de remédios ou distribuição de materiais escolares nos países pobres.

Poucos desses Estados conseguiram ficar independentes da ajuda internacional, em parte devido às práticas de aquisição dos doadores, explica o estudo. “Vimos que a maior parte da ajuda nunca entra na economia das nações em desenvolvimento”, afirmou Bodo Ellmers, responsável pela Eurodad e que esteve por dois anos preparando o informe divulgado no dia 6. A quantidade total da assistência oficial ao desenvolvimento em 2009 foi de 92 bilhões de euros (US$ 128 bilhões), segundo estatísticas da Organizações para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).

“A maioria das pessoas acredita que esse dinheiro foi entregue a países em desenvolvimento, mas, quando examinamos os contratos, vemos que dois terços foram entregues a empresas da nações do Norte, o que só beneficiou suas respectivas economias”, acrescentou Ellmers. “Esta é uma das razões pelas quais a ajuda não promove o desenvolvimento, nem o trabalho e nem melhora a renda”, destacou Ellmers à IPS. “A assistência não funciona tão bem quanto deveria porque tampouco é entregue como deveria”, disse à IPS Nuria Molina, diretora da Eurodad. “É surpreendente ver que a maior parte da assistência nunca chega na economia do país em desenvolvimento”, prosseguiu.

Os Estados da OCDE assinaram, em 2001, o primeiro acordo para desvincular a assistência e que esta não passe por empresas dos Estados doadores. Apesar dessa promessa de dez anos, 20% da ajuda bilateral está vinculada a empresas dos países ricos. Além disso, a maioria dos contratos desvinculados continua indo para mãos de companhias de nações ricas, segundo a Eurodad. Metade do valor dos contratos de projetos financiados pelo Banco Mundial na última década terminou em mãos de empresas de Estados doadores. A participação destas aumentou em função do volume do acordo.

Em 2008, 67% dos contratos do Banco Mundial foram outorgados a companhias de dez países. A situação é consequência da prática de aquisição dessa instituição, segundo Ellmers. A maioria dos países beneficiários é pressionada para permitir que as multinacionais ofereçam seus serviços. “A mensagem costuma ser: ajudaremos vocês se abrirem seus mercados à competição internacional”, ressaltou. “A empresa que fizer a melhor oferta em função do valor ganhará o contrato, mas nos esquecemos que a maioria das nações em desenvolvimento está nessa situação por não terem empresas capazes de competirem em nível mundial”, acrescentou Ellmers.

A Eurodad defende uma “aquisição inteligente” e que as empresas locais e regionais tenham acesso preferencial aos contratos de assistência. “Se queremos construir uma estrada em Gana, devemos conceder o contrato a uma empresa desse país”, disse Ellmers. “Obtemos o dobro de dividendos, a estrada construída e, o mais importante, novos empregos, renda e maior capacidade”, acrescentou. A aquisição inteligente também implica a imposição de condições às companhias contratadas para garantir que a ajuda sirva ao desenvolvimento sustentável.

“Não tem sentido empregar mão de obra local se continuam sendo pobres ou ficam doentes enquanto trabalham. Tampouco tem sentido se o projeto prejudica o meio ambiente. As empresas beneficiadas devem ter em conta um critério social e ambiental”, explicou Ellmers. Nuria Molina está convencida de que o estudo da Eurodad pode mudar a forma como se entende assistência ao desenvolvimento. “Existe um poderoso estereótipo de que a corrupção e a falta de capacidade nos países em desenvolvimento são as únicas razões pelas quais a ajuda não é efetiva”, afirmou. O estudo propõe a ideia da corresponsabilidade dos doadores no sucesso da ajuda. “Espero que a mensagem seja suficientemente forte para que os países doadores e os bancos de desenvolvimento reformulem suas políticas”, acrescentou Molina. Envolverde/IPS