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Netanyahu cercado por dentro e por fora

Jerusalém, Israel, 9/9/2011 – Cada vez mais israelenses parecem se dar conta de que a única política que causa má sorte é a má política. Da noite para o dia, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, se viu cercado por dentro e por fora. A aliança estratégica com a Turquia está à beira do divórcio, e outra, com o Egito, atravessa duras provas, tudo em meio a uma iniciativa para que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheça a Palestina como Estado independente. Enquanto isso, no último fim de semana, na que foi a maior manifestação na história do país, cerca de meio milhão de israelenses foram às ruas com cartazes onde se lia “Netanyahu, está demitido”.

O presidente do Sindicato dos Estudantes, Yitzik Shmuli, se referiu diretamente ao primeiro-ministro em seu discurso: “Os novos israelenses têm um sonho: construir suas vidas dentro de Israel. E esperam que o senhor os deixe viver honradamente”. A honra, o orgulho patriótico e as aspirações nacionais são areias movediças que o primeiro-ministro atravessa nestes dias. Seu constante rechaço a uma demanda da Turquia – outrora aliado estratégico de Israel no mundo muçulmano – de oferecer um “desculpa” pelo ataque, no ano passado, à flotilha humanitária que se dirigia ao sitiado território de Gaza (quando morreram nove ativistas turcos) afundou com toda possibilidade de reconciliação.

Nos dias 3 e 4, a Turquia anunciou uma série de medidas punitivas, incluindo a expulsão do embaixador de Israel em Ancara, a redução do status da representação diplomática israelense, a suspensão de todos os acordos militares e uma promessa de apoiar as demandas legais das famílias das vítimas do ataque. O governo turco também expressou sua intenção de apelar para o Tribunal Internacional de Justiça contra a legalidade do bloqueio a Gaza e iniciar um debate na ONU sobre o assunto. Além disso, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, visitaria a Faixa de Gaza. E mais: o jornal Hurriyet informou que navios de guerra turcos escoltariam embarcações humanitárias que se dirigissem a Gaza.

Netanyahu respondeu que os comandos que abordaram a flotilha agiram em “defesa própria”, e afirmou que um pedido de desculpas equivaleria a corroer a postura estratégica de Israel em um momento de instabilidade regional. A compensação econômica às famílias e uma expressão de “pesar” devem bastar, ressaltou. A crise culminou dois dias antes da “marcha do meio milhão”. Proposta várias vezes sua divulgação para permitir que estes dois países “amigos” encontrassem a forma de deixar de lado seu orgulho e emendar as relações, o estudo de um comitê das Nações Unidas sobre o ataque à flotilha terminou “vazando” para o jornal norte-americano The New Yok Times, embora seu conteúdo já fosse conhecido.

O comitê concluiu que os comandos israelenses tentaram frustrar as tentativas da “Flotilha da Paz” de romper o bloqueio naval contra Gaza e “encontraram uma resistência organizada e violenta de um grupo de passageiros”. Portanto, usaram a força para sua própria proteção, embora de forma “excessiva e irracional”. Também afirma que o bloqueio à Faixa de Gaza é “legal”.

No entanto, Netanyahu instruiu, há duas semanas, seu ministro da Defesa e principal apoio no governo, Ehud Barak, a pedir desculpas pelo assassinato involuntário de cinco soldados egípcios por parte de soldados israelenses que perseguiam guerrilheiros de Gaza. Os combatentes palestinos haviam se infiltrado no deserto do Sinai e matado oito israelenses. O incidente motivou demandas no Egito para que expulsasse o representante israelense no Cairo. O jornal egípcio Al-Masry Al-Youm elogiou a expulsão do embaixador israelense de Ancara, dizendo: “Lições que a Turquia deu ao Egito”.

A advertência do chanceler turco, Ahmet Davutoglu, de que a “Primavera Árabe geraria uma significativa inimizade contra Israel se (este país) não mudasse sua atitude” não caiu em ouvidos surdos. As últimas medidas da Turquia agravaram uma já aguda ansiedade entre os israelenses pela futura estabilidade regional, particularmente em relação a Egito e Síria. Netanyahu está consciente de que a Primavera Árabe pode se voltar contra Israel. No dia 20 de setembro, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apresentará de forma unilateral uma proposta na ONU para que seja reconhecido o Estado palestino. A votação será em outubro.

No dia 29 de novembro de 1947, outra votação nas Nações Unidas levou à criação unilateral (seis meses depois) de Israel. Na época, milhares e milhares de “novos israelenses” saíram espontaneamente às ruas para comemorar. A prudência de Netanyahu está sendo interpretada por seus compatriotas como passividade, e até mesmo paralisia. O primeiro-ministro gosta de se apresentar como antítese de seu antecessor, Ehud Olmert (2006-2009), que travou duas guerras, uma contra o Hezbolá (Partido de Deus), no Líbano, em 2006, e outra contra o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica), em Gaza, entre 2008 e 2009.

Netanyahu proibiu terminantemente uma plena incursão no território de Gaza nesta fase delicada. No entanto, conforme se aproxima a votação na ONU, os israelenses perdem confiança na capacidade de seu líder para evitar uma guerra. O que fará quando os palestinos celebrarem sua própria independência, em meio a uma ocupação cada vez mais saturada com novas colônias judias e que sufoca a chamada solução dos dois Estados? Já estamos em setembro. A sensação que prevalece entre os israelenses é que, lenta, mas firmemente, aproximam-se dias sombrios. O exército se prepara para o pior. Envolverde/IPS