Três projetos de inovação ambiental exibem a capacidade de pesquisadores latino-americanos para criar sólidos círculos virtuosos.
Montevidéu, Uruguai, 12 de setembro de 2011 (Terramérica).- Um método para revolucionar a mineração de ouro, um agrocombustível com óleo usado de cozinha, um contêiner onde entra lixo e esgoto e saem quatro produtos úteis e zero desperdício. Ciência latino-americana aplicada ao meio ambiente.
O ouro limpo existe
O engenheiro metalúrgico peruano Carlos Villachica dedicou sua vida a tentar conciliar duas riquezas de seu país: as jazidas de minérios, concentradas na Cordilheira dos Andes e na Amazônia, e a grande diversidade de flora e fauna. Villachica investiu 42 de seus 62 anos em pesquisa. Seu último invento é o sistema de produção “Ouro Ecológico” para a pequena mineração, que processa o ouro fino sem uma gota do tóxico mercúrio. Mais de 250 mil famílias dependem da pequena mineração aurífera no Peru e a maioria emprega mercúrio para separar o ouro da areia negra, um concentrado obtido do cascalho, mistura de pedra, areia e minerais de vários rios amazônicos, como os da depredada região de Madre de Dios, no sudeste.
O método de Villachica separa o ouro fino dos demais minerais depois de agitar o concentrado em um aparelho semelhante a um liquidificador com água, algumas gotas de álcool e fosfato. No “liquidificador” – um adaptador mecânico usado na mineração, especialmente preparado para o projeto – o álcool e o ar que entram no depósito geram algumas bolhas pequenas nas quais os grãos de ouro fino grudam devido à presença do fosfato. Como resultado, o ouro acaba flutuando na mistura e está pronto para ser fundido.
Dessa forma evita-se o mercúrio, com benefícios múltiplos, afirma o inventor. Não são contaminados rios nem solos, diminui o tempo do processo e se captura mais ouro do que com o método tradicional. Extrair 40 gramas de ouro pode consumir duas horas e meia usando mercúrio, que permite extrair 80% do metal concentrado. Com o “Ouro Ecológico”, recupera-se 95% do metal e em apenas 30 minutos.
“Temos uma megabiodiversidade a proteger que é mais importante do que os minerais que temos. Para isto é preciso criar a tecnologia mais inovadora”, disse Villachica ao Terramérica. Como são usadas apenas seis miligramas de álcool e de fosfato por litro de água, estes elementos não constituem ameaça ao meio ambiente. A dose tóxica desta mistura para as larvas de trutas é de 1.200 miligramas por litro.
O método, premiado em junho pelo Programa de Ciência e Tecnologia, do governo, não depende apenas deste engenheiro. Suas três filhas o assumiram e agora, junto com o pai, o levam adiante: Joyce, engenheira química, Leslye, engenheira metalúrgica e Eileen, engenheira ambiental. “O desafio está em defender as ideias e demonstrar que podem ser colocadas em prática”, disse ao Terramérica Leslye Villachica, de 31 anos.
Quatro pequenos mineradores já aplicam a invenção dos Villachica em Madre de Dios. O próximo passo é implantar um projeto próprio em sociedade com comunidades nativas da Amazônia. Já foram feitos testes e contatados compradores da França e da Suíça, dispostos a pagar pela onça assim obtida 15% mais do que o preço de mercado. Segundo Villachica, esta tecnologia pode ser aplicada em grande escala, se o governo decidir promovê-la. Até 2016, seria possível reduzir em até 80% a quantidade de mercúrio empregada pelos pequenos mineradores, afirmou.
Em médio e longo prazos é muito mais rentável. Um pequeno minerador gasta entre US$ 200 e US$ 300 por mês com mercúrio para obter entre dois e três quilos de ouro. Para esse volume de produção, a máquina de Villachica pode custar US$ 4 mil, e o investimento pode ser recuperado em cerca de dez meses. Além disso, o inventor sugere que vários produtores podem compartilhar o aparelho, como acontecerá em breve com uma comunidade da selva. Para uma exploração média à qual são destinados US$ 600 mensais para o mercúrio, a máquina custa US$ 12 mil, que são recuperados em menos de dois anos.
Combustível limpo salta da frigideira
Um catalisador, que transforma o óleo de cozinha usado em biocombustível não contaminante, é a descoberta do jovem químico brasileiro Leandro Alves de Sousa, que começou as pesquisas em seu mestrado e, aos 28 anos, já recebeu prêmios e ofertas de grandes empresas interessadas em sua tecnologia. A grande diferença deste combustível é que, ao contrário do biodiesel comum, não precisa ser acrescido de óleo combustível para ser usado nos motores, disse este aluno de doutorado do Programa de Engenharia Química do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Por menor que seja a quantidade, usar combustível fóssil gera uma quantidade de dióxido de carbono que é emitida sem contrapartida, e que contribui para acentuar o aquecimento global”, disse Leandro ao Terramérica. “Como a matéria-prima é totalmente vegetal, o ciclo se fecha”, acrescentou. Garante que todo o dióxido de carbono liberado equivale à capacidade de absorção desse gás que possuem as plantas das quais se obteve o óleo. O óleo recebe um hidrotratamento, empregando como catalisador o carboneto de molibdênio. “É uma espécie de pó agregado à matéria-prima e que a converte em outra substância”, disse Leandro.
“Além de reaproveitar o óleo, evitamos o conflito dos produtores agrícolas entre destinar seus cultivos à alimentação ou à energia. Assim, a mesma colheita será primeiro alimento e depois combustível”, disse o jovem químico. Também se resolve o surgimento de um subproduto difícil de comercializar e cujo acúmulo sem cuidado pode causar problemas ambientais, a glicerina resultante do refino do biodiesel. “Com o sistema que criei, o único subproduto é a água”, explicou. Enquanto aprofunda sua pesquisa, Leandro acrescenta que “os resultados de novos estudos esclarecerão a capacidade deste método de ser aplicado em grande escala”.
Do esgoto
O que começou como um projeto para reciclar água em uma casa mexicana se converteu em método para aproveitar dejetos para obtenção de biofertilizante e energia. O físico-matemático mexicano Jesús Arias, de 67 anos e vocação ecológica, queria reutilizar a água de sua casa, que construiu junto com seu irmão, em 1969, na comunidade de San Vicente Chimalhuacán, 65 quilômetros a sudeste da Cidade do México. “Começou como uma iniciativa social. Em 1970, modifiquei uma fossa séptica. Assim construí o primeiro biodigestor para esgoto”, disse Arias ao Terramérica. A obra acabou levando à Fundação Xochicalli, “Casa de Flores” na língua náhuatl.
Essa foi a semente do sistema unitário de tratamento e reciclagem de esgoto e energia, um digestor anaeróbio – um recipiente hermético e impermeável – onde se coloca material orgânico, como excremento de animais e dejetos, e água. O sistema consta de um dispositivo para extrair e armazenar o biogás (metano da fermentação de matéria orgânica), armadilhas de pedra para capturar gordura e câmaras com filtros biológicos e biofísicos para separar fertilizante.
Como resultado, quatro produtos: biogás; sedimento, que serve de adubo e pode ser matéria-prima de alimento animal; uma nata que nutre e mantém o solo sadio, e o líquido residual para irrigação, lavagem e inclusive consumo humano, se for tornado potável com a eletricidade gerada pelo metano.
Segundo a Secretaria do Meio Ambiente, o México produz por ano 38 milhões de toneladas de resíduos, metade orgânicos, e só recicla 13 milhões. De casas e indústrias fluem mais de 400 mil litros por segundo de esgoto, dos quais apenas 83 mil litros por segundo são tratados. Para tratar cem litros de esgoto por segundo é necessária uma estação de 65 quilowatts e um terreno de seis mil metros quadrados, ao custo de US$ 0,04 por metro cúbico, menor do que de uma estação tradicional de tratamento.
Como no caso peruano, os filhos de Arias, Margarita e José de Jesús, são engenheiros e agora se encarregam de manter o projeto. Arias criou mais de 200 projetos dentro e fora do México. O produto Líquido Efluente de Digestor Anaeróbio (LEAD), desenvolvido em sociedade com uma companhia norte-americana, ganhou no ano passado o concurso Cleantech Challenge México. Agora, o plano é “vinculá-lo com uma comunidade sustentável que inclua água, nutrientes, energia e descontaminação”, disse Arias.
* Com colaboração de Milagros Salazar (Lima, Peru), Emilio Godoy (Cidade do México, México) e Alice Marcondes (São Paulo, Brasil).
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Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.