As possíveis mudanças no Código Florestal brasileiro, que atualmente tramitam no Senado após terem sido aprovadas na Câmara dos Deputados, causarão impactos mais devastadores no bioma Cerrado, avaliou João de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Florestas (Deflor) da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“A norma geral (Código Florestal) é o único mecanismo legal de preservação do Cerrado, já que ele ainda não é reconhecido como patrimônio natural pela Constituição”, observou Medeiros. “O Cerrado será o bioma mais afetado caso passem as mudanças propostas”, alertou o diretor do Deflor.
De acordo com o MMA, um dos maiores desafios das autoridades ambientais para os próximos cinco anos é reduzir as crescentes taxas de desmatamento legal no Cerrado, onde é possível derrubar até 80% da cobertura vegetal sem ser incomodado pela fiscalização, tudo conforme a legislação vigente.
A pasta ambiental do governo trata a tarefa como “prioritária”, e pontua cinco fatores como determinantes para conter a degradação do bioma:
* Negociações do Código Florestal no Congresso;
* Implementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle das Queimadas e Desmatamento no Cerrado (PPCerrado);
* Resultado de arranjos institucionais no setor público e privado para a construção do Macrozoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE);
* Mudanças no modelo predatório de uso da terra para atividades agropecuárias (meta tida como principal).
O Deflor negocia com o Congresso a manutenção dos parâmetros de preservação permanente no bioma e a volta da proteção para as veredas, abolida pelo substitutivo aprovado pela Câmara. Segundo o MMA, a liberdade para a supressão das veredas ameaça um dos ecossistemas mais sensíveis do país, com reflexos negativos na fauna, na flora e no ciclo hidrológico.
A expansão da fronteira agrícola, estimada com base em levantamentos de imagens de satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), projeta uma supressão da vegetação que beira os quatro mil quilômetros quadrados de Cerrado por ano. Para uma taxa de desmatamento anual em torno de 0,47% do bioma, calculada sobre uma área remanescente de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, a previsão do laboratório de geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás aponta o desmate de 40 mil quilômetros quadrados por década, a depender do resultado das medidas adotadas. “É claro que são projeções”, salientou o professor Manuel Ferreira.
Lógica do produtivismo sem preservação
“É difícil reverter a lógica do produtivismo”, admitiu o secretário de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Roberto Vizentin. Ele se refere à rotina dos ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Desenvolvimento Agrário na busca de diálogo com o setor produtivo para minimizar os impactos socioambientais das atividades agropastoris.
No caso do Cerrado quase não é possível falar em recomposição da mata nativa como forma de minimizar os danos do desmatamento. A opção é recuperar e reutilizar áreas já impactadas pelas atividade agropastoris para evitar abertura de novas frentes. Por isso, explicou Vizentin, o governo vem intensificando as políticas públicas de fomento à produção sustentável, privilegiando a produtividade para evitar o desmatamento.
Os caminhos para isso são, por um lado, buscar cada vez mais a parceria dos próprios agricultores e pecuaristas, pequenos, médios ou grandes, e por outro, criar mecanismos de Zoneamento Ecológico-Econômico, que sinalize com clareza regras sustentáveis para o crescimento econômico. “Estamos iniciando o processo de negociação do MacroZEE do Cerrado. Vamos ouvir todos os setores na esfera governamental e no setor produtivo”, esclareceu Vizentin.
Bioma ameaçado
O Cerrado entrou na pauta de prioridades por ser, na atualidade, o ecossistema sob maior pressão, com taxas de desmatamento quatro vezes superiores às da Amazônia. Para o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Bráulio Dias, é preciso acumular maiores conhecimentos sobre o Cerrado para atender às demandas relativas a sua biodiversidade.
Em 2010 o bioma contava com 7% de seu território protegido, número considerado bom, não fossem as categorias das unidades envolvidas. Grande parte dos cerca de 160 mil hectares sob proteção é constituído por Áreas de Proteção Ambiental (APAs), onde a ocupação humana e as atividades econômicas sofrem poucas restrições em detrimento da biodiversidade.
Com uma área de 204 milhões de hectares, equivalente aos territórios de Portugal, Espanha, França, Alemanha e Suécia juntos, o Cerrado já perdeu quase cem milhões de hectares de sua vegetação nativa, o que ameaça diretamente o ciclo das águas em três bacias hidrográficas, a do São Francisco, da Amazônia e a do Prata, que abrange as regiões Sul e Sudeste.
* Publicado originalmente no site EcoD.