A aventura pode ser um agente auxiliador importante na formação da moral e da ética das crianças. Um estudo de caso realizado pelo professor Flávio Kunreuther para sua tese de doutorado “Educação ao ar livre pela aventura: o papel da experiência e o aprendizado de valores morais em expedições à natureza”, sob a orientação do professor Osvaldo Ferraz, da Escola de Educação Física e Esporte (Eefe), permitiu uma constatação: um adolescente de temperamento difícil mudou a maneira como via sua realidade depois de ser exposto a atividades educativas experenciais ao ar livre, mudando também seu comportamento. “Aconteceu alguma coisa neste curso que fez este garoto mudar. Uma combinação de fatores que funcionou”, diz.
O estudo de caso foi feito com base em um curso ministrado pela escola Outward Bound no Parque Estadual de Campos do Jordão. A Outward é uma organização educacional sem fins lucrativos que atua em diversas partes do mundo e chegou ao Brasil no ano 2000. Dos 11 alunos presentes em uma expedição, um era advindo de um abrigo para menores. O caso chamou atenção depois de um relato da coordenadora do abrigo, que disse que o garoto teve uma mudança significativa em seu comportamento. Kunreuther deu seguimento ao estudo de caso com base na análise da entrevista da coordenadora, dos instrutores que acompanharam o grupo durante a expedição e dos próprios alunos.
O menino apresentou mudanças de atitude mostrando-se mais solícito, colaborativo e pró-ativo na busca pelo seu primeiro emprego. Os instrutores também avaliaram a mudança de comportamento durante o seguimento do curso: antes muito agressivo, ganhou noções de trabalho em equipe e conseguiu se achar útil dentro de um universo antes desconhecido para ele. Na natureza, ele pôde usar seu vigor físico para ajudar o grupo em determinadas tarefas, como carregar a mochila dos companheiros. “A estrutura escolar que a gente tem no Brasil não privilegia um garoto com um vigor físico desenvolvido. A educação experiencial ao ar livre deu a ele a chance de ser útil, que não lhe foi dada no ambiente urbano.”
Analisando o caso, Kunreuther diz que houve uma combinação de fatores que foram responsáveis pela mudança de comportamento do menino: a combinação da maturidade biológica com a educação formal e a experiência da aventura. O pesquisador respalda essa observação com as teorias de Piaget e Dewey, que dizem que a pessoa se desenvolve por meio da combinação dos três elementos acima citados e pela experiência seguida de reflexão e a combinação de fatores externo e internos.
Situação no Brasil
A educação experencial por meio de atividades de aventura na natureza é pouco explorada no Brasil. Uma das únicas instituições que desenvolve cursos na área é a Escola Outward Bound e, por isso, escolhida por Kunreuther como base para análise. O recolhimento de dados sobre a percepção dos alunos sobre a aventura mostrou que os adolescentes se depararam com questões morais absolutamente expostas e lidaram com seus conflitos internos, como o desafio de permanecerem longe de casa, tendo que se relacionar e resolver os problemas como uma equipe.
Além disso, a situação de aventura aproxima os alunos da natureza e da questão ambiental. “Não dá para advogar por algo que você não conhece. A única maneira de envolvê-los é se eles experimentarem. Se você não vê uma nascente, como entender este pedaço de água que passa pela cidade?”, completa.
Kunreuther relata que não temos, no Brasil, a tradição cultural das atividades ao ar livre em áreas remotas, do acampamento, do aceite dos riscos impingidos pelas atividades na natureza, como ocorre em outros países. Assim, é de se esperar que a estrutura educacional brasileira não contemple a educação ao ar livre como uma possibilidade a ser explorada.
“Não existe qualquer ilusão de que a educação ao ar livre seja para todos, mas é um ponto importante para a sensibilização das pessoas sobre as questões ambientais, porque só a imersão na natureza te conecta”, avalia. Para alguns, uma aventura na natureza pode servir para mostrar-lhes que são pessoas urbanas e que não gostam dos desconfortos da vida ao ar livre e isso é, em si mesmo, um aprendizado válido. “As pessoas também podem se conhecer por aquilo que não são e não gostam”. Para outros, uma experiência educacional de aventura pode alterar suas vidas, reaproximando-os do meio natural e tornando-os defensores da causa.
* Publicado originalmente no site Agência USP.