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Caminho para uma nova economia

Madri, Espanha, 15/9/2011 – O mundo, em particular a América Latina, dispõe de 15 anos para criar uma economia diferente da atual, baseada na ciência e na tecnologia, afirma o peruano Francisco Sagasti, ex-diretor de programa do centro de pesquisa não governamental Foro Nacional Internacional. Sagasti, que presidiu o Conselho Diretor do Programa de Ciência e Tecnologia do Conselho de Ministros do Peru, se mostrou otimista pela grande demanda por alimentos, matérias-primas, petróleo e outras fontes de energia que, a seu ver, se manterá em grande nível por mais 15 anos, prazo que permite aos países latino-americanos investirem e construírem uma economia diferente baseada no conhecimento.

Referindo-se ao ocorrido na década de 1980, Sagasti citou o falecido físico argentino Jorge Sábato, a quem qualificou de “ilustre pioneiro da política científica e tecnológica na região”, quando disse que “demora 15 anos para se criar uma instituição de pesquisa em nível mundial, mas apenas dois para destruí-la”. Por isso, afirmou que “em muitos casos a região investe em ciência e tecnologia, criando instituições, treinando cientistas e engenheiros, criando e implantando políticas com considerável esforço, apenas para em seguida vê-las desaparecer quase sem deixar rastro”.

“Há quatro séculos, e apesar de certas limitações, a ciência moderna demonstrou ser a maneira mais eficiente de gerar o conhecimento necessário para melhorar nossa capacidade de compreender e tirar proveito do mundo que nos cerca”, afirma o pesquisador peruano em seu livro “Ciência, Tecnologia, Inovação. Políticas para a América Latina”. Nesta obra, lançada esta semana na sede da Secretaria-Geral Ibero-Americana, em Madri, o analista condensa sua experiência de mais de 40 anos no campo da ciência e tecnologia.

“Necessitamos de pessoas flexíveis, engenhosas e resistentes, que possam tolerar grandes surpresas e ambiguidades emocionalmente, enquanto continuam trabalhando intelectualmente em assuntos complexos”, escreveu, citando seu mestre britânico Eric Trist, no final do livro, cuja apresentação foi presidida pelo secretário-geral ibero-americano Enrique Iglesias e pelos acadêmicos espanhóis José Antonio Alonso e Gonzalo Garland.

Iglesias destacou que no livro se demonstra que desde a colonização espanhola até agora a América Latina “não fez a lição de casa” nestas áreas. Contudo, acrescentou, a obra também apresenta uma perspectiva de futuro e mostra as oportunidades que se abrem na conjuntura favorável da qual atualmente a região desfruta. Por isso, considera que “é um texto indispensável para entender e avaliar a situação da ciência e tecnologia na América Latina”.

Em sua obra, Sagasti se pergunta por que a América Latina, terra fértil para a criatividade em políticas de ciência, tecnologia e inovação, tem êxitos limitados neste campo. Embora haja avanços, “é possível apreciar certo desencontro entre as ideias e a prática”, responde, a seguir. Uma situação que manteve a região com “fornecedora de matérias-primas fáceis de extrair e processar, sem poder aumentar o conteúdo tecnológico de suas exportações”, além das convulsões políticas que impediram a continuação dos esforços e uma indiferença das autoridades políticas civis e militares.

O autor acrescentou que outro fator negativo ocorreu na “década perdida de 1980” na qual se somaram os governos ditatoriais, a crise da dívida, inflação, desequilíbrios macroeconômicos e cambiários, déficits fiscal e comercial, e a redução drástica do financiamento para o desenvolvimento. Tudo isso fez governos e empresários deslocarem seu interesse para questões que “pouco tinham a ver com a criação e consolidação de capacidades próprias em ciência, tecnologia e inovação, tarefa na qual o setor público tem papel fundamental”.

No entanto, isso está mudando, disse Iglesias, embora melhore de maneira modesta, com a grande diferença de que, nos países latino-americanos, dois terços do financiamento em ciência e tecnologia cabem ao Estado, enquanto no Norte industrializado é o contrário. Nessa melhora, Iglesias mencionou a interação entre América Latina e Europa e as contribuições relevantes de Brasil e Espanha. Que “não é muito, mas algo é algo e o que se precisa é que os países invistam mais e não esperem chegar de fora”, afirmou.

Por sua vez, Alonso afirmou que na América Latina há espaço para novas formas de desenvolvimento a partir de uma mudança organizacional e que a inovação deve ser específica e não geral, já que “só pode ser feita por países que têm setores produtivos” ligados à ela. Segundo o economista, o esforço científico e tecnológico deve ter uma visão estratégica, ser seletivo, pois a tecnologia não exige um investimento fixo, mas continuado, histórico e integrado em estratégias para o desenvolvimento.

Garland, por sua vez, recordou que a interrupção tecnológica que os Estados Unidos impuseram ao Brasil na segunda metade do Século 20 impediu seu desenvolvimento eletrônico, o que o levou a abrir fronteiras para conseguir aportes e impulsioná-lo, para, finalmente, poder fazê-lo. Acrescentou que essa experiência demonstrou que o modelo de substituição de importações não deve ser um fim em si mesmo, porque as tarifas alfandegárias aumentam, enfraquecendo o desenvolvimento. Envolverde/IPS