Washington, Estados Unidos, 15/9/2011 – A campanha palestina para conseguir o reconhecimento como Estado soberano na Organização das Nações Unidas (ONU) ameaça isolar ainda mais Israel e diminuir a já minguada influência dos Estados Unidos no Oriente Médio. A menos que ocorra algum êxito de último minuto que reavive as negociações ou promova suas aspirações nacionais, os funcionários palestinos parecem determinados a buscar, no mínimo, que a Assembleia Geral da ONU conceda o reconhecimento de “Estado-membro”, um degrau abaixo de membro pleno das Nações Unidas.
Isso permitiria que a Palestina se integrasse a uma variedade de organismos e convenções internacionais e as usasse para opor-se às políticas vinculadas à ocupação israelense da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. David Makovsky, do Washington Institute for Near East Policy, chamou essa tática de “lawfare” (guerra legal). Israel, que ainda está sob o impacto da expulsão de seu embaixador na Turquia e da retirada de quase todos seus diplomatas do Cairo depois do atentado contra sua embaixada no final de semana, se prepara para um caos ainda maior.
Apesar de o líder palestino, Mahmoud Abbas, prometer que não permitirá protestos violentos, as manifestações podem sair do controle, especialmente se a tentativa palestina chegar ao Conselho de Segurança, onde, sem dúvidas, enfrentará o veto dos Estados Unidos. O major da reserva Amos Yadlin, ex-chefe de inteligência das forças armadas israelenses, alertou esta semana que o mal estar “não se limitará à Cisjordânia”. Em discurso que fez no Washington Institute, o militar disse: “Todo o Oriente Médio poderá arder. A lei das consequências não desejadas funcionará duramente nos próximos meses”.
Em toda a região, vários governos foram derrubados e existe uma enorme sensibilidade diante da agitação popular. Embora a questão palestina não figure na agenda dos levantes que marcaram a Primavera Árabe até agora, é um assunto muito sensível para a identidade árabe e muçulmana. A incapacidade de países como o Egito para mediar a retirada israelense da Cisjordânia e a criação de um Estado palestino foi por muito tempo fonte de protesto e humilhação.
O diretor-executivo do Washington Institute, Robert Satloff, chegou inclusive a alertar que o tratado de paz egípcio-israelense de 1979 “pende por um fio”, enquanto é provável que a Irmandade Muçulmana se saia bem nas eleições parlamentares do Egito e que “nenhuma figura política importante que restar no cenário nacional egípcio esteja disposta a defender a paz com Israel”.
O isolamento cada vez maior de Israel também é consequência de suas próprias políticas. Embora, em parte, a causa sejam as enormes ambições regionais do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, as relações entre Israel e Turquia estão em queda livre desde a campanha militar israelense contra Gaza no final de 2008. Os vínculos pioraram quando os israelenses mataram oito turcos e um turco-norte-americano a bordo do navio Mavi Marmara, que em 31 de maio de 2010 tentou romper o bloqueio a esse território palestino ocupado por Israel.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, negou-se a pedir desculpas por essas mortes, o que fez as relações diplomáticas com a Turquia chegarem à retirada de embaixadores. Na frente palestina, Israel implantou uma moratória parcial de dez meses à construção de assentamentos judeus em territórios ocupados, mas se negou a estender as restrições no ano passado e, portanto, Abbas decidiu se retirar das negociações após apenas duas semanas. Israel não apresentou nenhum parâmetro para um acordo e negou-se a usar suas fronteiras de 1967, concordando com uma troca de terras como base para uma solução de dois Estados.
O presidente norte-americano, Barack Obama, apresentou esta ideia em um discurso que fez em maio e que foi muito criticado por Netanyahu e por norte-americanos favoráveis à linha dura do líder israelense. A decisão palestina de ir à ONU tem origem na crença de que as negociações com o governo do direitista Netanyahu não apresentarão nenhum resultado e de que Obama – que busca a reeleição – não estaria em posição de pressionar mais Israel, ao menos no próximo ano.
Abbas também busca apaziguar o descontentamento de seus próprios eleitores, que estão fartos de viver em um limbo em matéria de soberania. Porém, sua decisão pode disparar um recorde na assistência que os Estados Unidos dão à Administração Nacional Palestina (ANP), que governa partes da Cisjordânia.
Hind Khoury, ex-embaixadora palestina na França e ministra para assuntos de Jerusalém, disse que a medida melhora a influência palestina em futuras negociações. “Estou cansada de ser refém da política interna dos Estados Unidos e de Israel”, disse na semana passada ao Atlantic Council, grupo de especialistas com sede em Washington. “Um dos principais problemas é a falta de um elemento dissuasivo que obrigue Israel a agir dentro do direito internacional”, acrescentou.
Chas Freeman, ex-embaixador dos Estados Unidos na Arábia Saudita, disse no dia 12 no Carnegie Endowment for International Peace – outra organização de especialistas – que haverá “uma guerra de desgaste por parte da comunidade internacional contra o esforço dos Estados Unidos para proteger Israel das consequências de suas próprias ações nos territórios ocupados”. Entre os Estados árabes e muçulmanos, a oposição de Washington à tática Palestina reforça o ponto de vista segundo o qual Estados Unidos e Israel são uma mesma entidade.
O ex-embaixador saudita nos Estados Unidos, príncipe Turki al-Faisal, alertou, também no dia 12, em uma coluna de opinião no The New York Times que, devido à posição contrária de Washington à campanha palestina na ONU, “a influência norte-americana cairá mais, a segurança de Israel será prejudicada e o Irã ganhará poder, aumentando as possibilidades de outra guerra na região. Além disso, a Arábia Saudita já não poderá cooperar com os norte-americanos como fez historicamente”. Especialistas saudistas afirmam ser improvável que o reino se vingue contra os Estados Unidos de um modo específico, mas que as ações de Washington enfraquecerão mais o que antes foi uma associação sólida.
Segundo Freeman, a relação se tornara “transacional”, e cada assunto era tratado caso por caso. Embora a Arábia Saudita continue dependendo dos Estados Unidos para sua segurança e coopere estreitamente em matéria antiterrorista, olha a Ásia pensando na maior parte de seu comércio e tem profundas discordâncias com Washington pela introdução da democracia em países como Bahrein e Síria, afirmou. Citando um antigo provérbio chinês, Freeman acrescentou: “Dormimos na mesma cama, mas sonhamos sonhos diferentes”. Envolverde/IPS