Nova York, Estados Unidos, 16/9/2011 – Enquanto a Semana da Moda transcorre em Nova York, Milão e Londres, mais de 60 empresas norte-americanas e europeias da indústria da moda se comprometeram publicamente a não comprar algodão colhido por meninos e meninas no Uzbequistão. Segundo ativistas que informam desde o terreno, a cada outono são mobilizadas entre 1,5 milhão e dois milhões de crianças para trabalhar na indústria algodoeira desse país, afirmou Steve Swerdlow, pesquisador sobre assuntos desse país na Human Rights Watch (HRW).
Enquanto as crianças de muitas partes do mundo começam as aulas, no Uzbequistão são obrigadas a colher algodão, ao mesmo tempo em que vivem em condições críticas, com fome, extenuadas, e com salários baixíssimos ou inexistentes. Trata-se de crianças inclusive de dez anos, que realizam estas tarefas durante dois meses por ano, segundo organizações de direitos humanos. O governo uzbeque ratificou duas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho infantil em 2008, mas, segundo o informe mundial 2011 da HRW, não deu “nenhum passo significativo” para implantá-las.
Não foi permitida a entrada no país de observadores independentes da OIT para determinar se há violação da proibição do trabalho infantil na indústria algodoeira. Durante uma década também foi negado acesso a todos os especialistas independentes em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que receberam informes de abusos neste sentido. Além do trabalho infantil, agências da ONU receberam informação sobre torturas sistemáticas, entre muitas outras violações dos direitos humanos.
O outono no Hemisfério Norte marca o início da temporada de colheita, e esta semana surgiram informes sobre mobilização de estudantes para colher algodão na província de Surkhandarya. De acordo com Swerdlow, adolescentes entre 14 e 16 anos, e possivelmente menores, foram forçados a fazer essa tarefa. Entre as empresas que esta semana se comprometeram a não comprar algodão do Uzbequistão figuram Adidas, American Apparel and Footwear Association, Burberry, Macy’s Inc e Walt Disney Company. Estas firmas disseram que manterão seu compromisso até que seja permitido à OIT entrar no país para verificar o fim do trabalho infantil.
Patricia Jurewicz, diretora da Responsible Sourcing Network, coordenou a campanha e comunicou o compromisso das empresas. Que grandes companhias representando uma grande porcentagem do mercado firmem este compromisso transmite ao governo uzbeque e aos comerciantes internacionais de algodão a mensagem de que o trabalho infantil é inaceitável, afirmou. “O valor do compromisso é unir a indústria para poder trabalhar unida contra o trabalho infantil”, disse à IPS.
“O compromisso é o primeiro passo. O segundo é comunicar-se não apenas com as fábricas que confeccionam as roupas, mas também com as fiações e os comerciantes de algodão sem processar, que o vendem para as fábricas”, explicou. Porém, algumas organizações de direitos humanos consideram muito fraca a resposta internacional aos sérios abusos cometidos no Uzbequistão. Swerdlow disse que os Estados Unidos e a União Europeia (UE) mostraram interesse em se comprometer com o governo uzbeque em assuntos de segurança, mas que a resposta à situação dos direitos humanos fica de lado “muito frequentemente”
“Consideramos que sócios internacionais do Uzbequistão, como Estados Unidos e UE, deveriam se manifestar mais publicamente e com maior frequência sobre os péssimos antecedentes do governo uzbeque em matéria de direitos humanos, e impor consequências políticas concretas quando não se consegue melhorias”, acrescentou Jurewicz. Atualmente, Washington tenta garantir a ampliação de um acordo que permita aos Estados Unidos e aos seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) enviar através do Uzbequistão provisões e equipamentos às suas forças no Afeganistão.
O presidente Barack Obama se comprometeu a retirar 30 mil soldados do Afeganistão até o final do próximo verão boreal, e a Otan planeja retirar todas as suas forças até 2014. Neste contexto, o Pentágono quer garantir que o Uzbequistão permita que os fornecimentos atravessem seu território nas duas direções. Swerdlow contou à IPS que documentou abusos dos direitos humanos no Uzbequistão para a HRW até que, no final do ano passado, o Ministério da Justiça desse país lhe negou autorização de trabalho e fechou o escritório local da organização.
Desde o massacre na prisão uzbeque de Andiján, em 2005, quando o Serviço de Segurança Nacional disparou contra manifestantes e, segundo algumas fontes externas, matou centenas de detentos, a HRW e outras organizações não governamentais e meios de comunicação foram proibidos de operar no país. “Mantemos contato com ativistas que informam sobre o trabalho infantil com grande valentia, colocando suas vidas em risco. Até o governo uzbeque permitir que a OIT envie uma missão de avaliação não haverá provas de que esta prática terminou”, disse Swerdlow.
Jeff Goldstein é um ex-especialista em temas soviéticos do Open Society Institute, em Washington, e agora é responsável por apoiar o lobby para os programas dessa entidade na ex-União Soviética e na Mongólia. Segundo disse, várias empresas assumiram antes compromissos com este, mas, com o início da colheita deste ano, acredita-se que é um bom momento para reiterá-los.
“É muito bom tantas marcas dizerem que não querem o algodão do Uzbequistão por causa do trabalho infantil. Obviamente, gostaria que mais empresas se unissem a elas e que a combinação deste projeto e o cancelamento por parte da firma IMG do espetáculo de Gulnara Karimova (filha do presidente uzbeque, Islã Karímov), chame a atenção de mais companhias, e que mais passem a não comprar algodão do Uzbequistão”, afirmou Goldstein. Jurewicz considera que “é o momento correto de fazer e reclamar uma mudança. Os consumidores não querem crianças colhendo o algodão usado em suas roupas”, acrescentou. Envolverde/IPS