Armadilha fotográfica faz 52 mil fotos sobre o declínio de mamíferos

Estudo inédito com armadilha fotográfica registra 52 mil imagens que permitem traçar a primeira análise global sobre o declínio de populações de mamíferos.

Tamanduá gigante (Myrmecophaga tridactyla), em Manaus, Brasil, é uma das espécies vulneráveis registradas entre quase 52 mil fotos de 105 espécies de mamíferos, no estudo global de armadilhas fotográficas para mamíferos.

O primeiro estudo global de armadilhas fotográficas para mamíferos, que documentou 105 espécies em cerca de 52 mil imagens em sete áreas protegidas nas Américas, África e Ásia, foi divulgado neste mês por um grupo internacional de cientistas. As fotografias revelam uma incrível variedade de animais em seus momentos mais inocentes – de um diminuto rato a um enorme elefante africano, além de gorilas, pumas, tamanduás-bandeiras e – surpreendentemente – até mesmo turistas e caçadores.

A análise dos dados fotográficos tem ajudado os cientistas a confirmar uma conclusão fundamental que, até o momento, era compreendida apenas por meio de diversos estudos não coordenados: a perda de hábitat e reservas com área restrita tem um impacto direto e negativo para a diversidade e a sobrevivência das populações de mamíferos, principalmente no que diz respeito ao tipo de dieta e tamanho dos animais (animais de pequeno porte e insetívoros são os primeiros a desaparecer), entre outros resultados apontados pelo estudo. A replicação dessas informações em períodos e áreas diferentes é fundamental para compreender os efeitos das ameaças globais e regionais em mamíferos que vivem em florestas tropicais e antecipar as extinções antes que seja tarde demais.

Os resultados do estudo foram publicados no artigo “Estrutura de comunidade e diversidade de mamíferos tropicais: dados de uma rede global de armadilhas fotográficas” (Community structure and diversity of tropical mammals: data from a global camera trap network), no jornal Philosophical Transactions da Royal Society. O estudo foi liderado pelo ecologista Jorge Ahumada, do Programa de Ecologia, Avaliação e Monitoramento de Florestas Tropicais (Tropical Ecology Assessment and Monitoring Network – Team) da Conservação Internacional. Foram pesquisadas áreas protegidas no Brasil, Costa Rica, Indonésia, Laos, Suriname, Tanzânia e Uganda, tornando este estudo não apenas o primeiro sobre mamíferos com armadilhas fotográficas, mas também o maior do gênero sobre qualquer classe de animais.

Para coletar os dados, 420 câmeras foram colocadas em diferentes regiões ao redor do mundo, sendo que 60 armadilhas fotográficas foram instaladas em cada local, com uma câmera a cada dois quilômetros quadrados, durante um mês. De posse das fotos reunidas entre 2008 e 2010, os cientistas categorizaram os animais por espécie, tamanho do corpo e dieta, entre outras características. Eles descobriram que as maiores áreas protegidas e florestas contínuas tendem a conter três atributos semelhantes: 1) maior diversidade de espécies; 2) maior variedade de tamanhos de animais, incluindo populações de mamíferos maiores; 3) maior variedade de dietas entre esses mamíferos (insetívoros, herbívoros, carnívoros, onívoros).

“Os resultados do estudo confirmam o que suspeitávamos: a destruição de hábitat está, aos poucos, minando a diversidade de mamíferos no nosso planeta”, afirma Ahumada. “Podemos tirar duas conclusões fundamentais desta pesquisa. A primeira é a de que, quanto maior a floresta em que vivem, maior será o número e a diversidade de espécies, o tamanho do corpo e a variedade da dieta. E a segunda é a de que alguns mamíferos parecem ser mais vulneráveis à perda de hábitat do que outros: mamíferos que se alimentam de insetos como tamanduás, tatus e alguns primatas, são os primeiros a desaparecer, enquanto outros grupos, como os herbívoros, parecem ser menos sensíveis.”

Entre os locais pesquisados, a Reserva Natural do Suriname Central apresentou o maior número de diversidade de espécies (28) e a Área Protegida Nacional de Nam Kading, em Laos, apresentou o menor número de diversidade de espécies (13). O tamanho do corpo das espécies fotografadas varia de 26 gramas (cuíca-pequena de Linnaeus, Marmosa murina) a 3.940 quilos (elefante africano, Loxodonta africana).

Com cerca de 25% das espécies de mamíferos sob ameaça de extinção e diante da pouca informação quantitativa disponível globalmente, este estudo preenche uma lacuna muito importante sobre o que os cientistas sabem sobre a forma como os mamíferos vêm sendo afetados pelas ameaças locais, regionais e globais, como a caça excessiva, a conversão das terras para agricultura e a mudança climática. “O que torna esse estudo cientificamente inovador é que nós elaboramos, pela primeira vez, informações comparáveis e consistentes sobre os mamíferos em uma escala global, definindo uma linha de base efetiva para monitorar as mudanças. Usando essa metodologia única e padronizada nos próximos anos, e comparando os dados recebidos, poderemos ver as tendências nas comunidades de mamíferos e realizar ações direcionadas e específicas para salvá-las”, explica Ahumada. Ele acrescenta que, desde 2010, câmeras adicionais foram instaladas em novos pontos (Panamá, Equador, outro local no Brasil, dois locais no Peru, Madagáscar, Congo, Camarões, Malásia e Índia), expandindo a rede de monitoramento para um total de 17 sítios. “Sem uma abordagem global e sistemática para monitorar esses animais e garantir que os dados cheguem às pessoas que tomam decisões, estamos apenas registrando sua extinção, sem realmente salvá-los.”

Os mamíferos servem como indicadores da saúde do ecossistema e têm papéis importantes na natureza que, por fim, beneficiarão as pessoas, como o controle do crescimento de plantas, a reciclagem de nutrientes e a dispersão de sementes. Por exemplo, alguns cientistas argumentam que a remoção de mamíferos de grande porte por meio da caça excessiva reduz a capacidade das florestas de armazenar carbono, pois esses animais são responsáveis pela dispersão de sementes de plantas de alta densidade de carbono. A diminuição da capacidade das florestas de armazenar carbono significa a diminuição da capacidade das pessoas de mitigar os efeitos da mudança climática.

“Esperamos que esses dados contribuam para um melhor gerenciamento das áreas protegidas e a conservação dos mamíferos em todo o mundo, bem como para um uso mais disseminado de estudos padronizados que utilizam armadilhas fotográficas para monitorar esses animais de grande importância”, conclui Ahumada.

O Team é uma parceria entre a Conservação Internacional, o Missouri Botanical Garden, o Smithsonian Institution e a Wildlife Conservation Society. O estudo foi financiado parcialmente por essas instituições e pela Fundação Gordon & Betty Moore. Os parceiros locais do estudo são: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), no Brasil, a Conservação Internacional do Suriname, a Organização para Estudos Tropicais, o Museu Tridentino di Scienze Naturali, e o Institute of Tropical Forest Conservation.

Alguns dados de onde e como o estudo foi feito

Em três continentes: América, África e Ásia

Em sete áreas protegidas:
Manaus (Brasil)
Transecto do Vulcão Barva (Costa Rica)
Reserva Natural do Suriname Central (Suriname)
Floresta de Bwindi (Uganda)
Parque Nacional das Montanhas de Udzungwa (Tanzânia)
Área Protegida Nacional de Nam Kading (Laos)
Parque Nacional de Bukit Barisan Selatan (Indonésia)

420 câmeras usadas
60 câmeras em cada local
Uma câmera a cada dois quilômetros quadrados
As câmeras foram instaladas por um mês em cada local
Prazo dos dados analisados no artigo: 2008 a 2010
Número de locais monitorados hoje: 17

* Publicado originalmente no site da revista Eco21.