O mundo está virando “de ponta-cabeça” como se diz no interior brasileiro. As finanças de meia dúzia de países europeus com tradição de estabilidade estão aos pedaços, tirando de suas casas cidadãos de hábitos normalmente civilizados e levando-os a organizar piquetes na porta dos bancos (em Londres, semana passada), para responsabilizá-los pela perda dos empregos e consequente estado de miserabilidade em que se encontram.
A piora da situação europeia acaba contribuindo, curiosamente, para a valorização da moeda que muitos consideravam a mais fragilizada pela péssima administração da política fiscal, agravada com a crise financeira. Essa fuga recente para o dólar mostra a qualidade das instituições norte-americanas. Mesmo com a paralisia que se apossou do processo político, parece que todos se convenceram de que os Estados Unidos não vão fazer nenhuma outra grande tolice além das que já cometeram, como as duas guerras recentes que resultaram no dramático aumento da dívida interna. Ao menos, no curto prazo.
Durante um bom tempo, também, o Fed não deverá permitir a repetição das incríveis patifarias que produziram a desorganização do sistema financeiro mundial e a tragédia do desemprego em escala planetária. No Brasil, livramo-nos das piores mazelas desde a crise de 2009, conservamos bons níveis de emprego e a perspectiva segura de crescimento do PIB de 3,5% em 2011, o que ainda nos mantém numa situação mais confortável do que a grande maioria dos países. O governo vem mantendo uma política econômica prudente em face das incertezas que cercam a derrocada europeia.
Entre nós, a valorização da moeda norte-americana tem causado um ligeiro frisson no mercado, o que não deve preocupar, porque essa variação é simplesmente o reflexo do que acontece com o dólar no exterior. Não é nada estranho, porque, no fundo, está se restabelecendo alguma forma de “equilíbrio” nesse mercado que no Brasil vem sendo dominado de forma brutal pelo diferencial das taxas de juro internas e externas. Fato curioso é a postura de “analistas” que até bem pouco tempo defendiam a flutuação do câmbio, quando o diferencial lhes era favorável, e agora começam a pedir ao governo que intervenha para conter a valorização do dólar. Clamam que o Banco Central “tem de começar a vender”, antes que se produza uma “tragédia inflacionária”.
No longo prazo, o dólar vai se valorizar naturalmente entre nós, porque o crescimento brasileiro é sólido: estamos melhorando a administração da política fiscal e os próprios mecanismos de administração dos orçamentos públicos, com todas as críticas que no final acabam contribuindo para o seu aperfeiçoamento. Quando a taxa de juros interna for igual à externa, o câmbio vai caminhar para o que é normal, o preço relativo que equilibra fluxos de importações e exportações e um movimento de capitais livre ao encontro de seu próprio limite. É o que acontecerá com a igualdade das taxas de juro.
Não se pode levar a sério argumentos que hoje são a favor do câmbio flutuante e amanhã contra a flutuação cambial. Quando alguém diz que “o dólar de equilíbrio não pode passar de 1,55, ou 1,60”, é algo que só está na cabeça dele, contra o qual e a favor do qual os “analistas” têm jogado todo o tempo. O dólar continuará flutuando: pode subir um pouco, pode voltar a 1,55, subir novamente, será assim mesmo, o que torna particularmente ridícula a ideia de que não se pode agora deixar flutuar o câmbio porque a alta do dólar vai causar inflação.
Muito provavelmente a questão cambial vai ocupar a atenção de “analistas” do mercado financeiro nas próximas semanas e meses porque é um tema que favorece a volatilidade. É ela, enfim, a essência do lucro. Na falta de coisa melhor (diante da “decepção” com a queda das taxas de juro), as variações do dólar devem mexer com a “adrenalina” dos agentes.
Dependendo da evolução dos problemas na Eurolândia, o nível da excitação aumentará a corrida para o dólar e a valorização da moeda norte-americana nos vários mercados. Com todas as complicações na economia e o aumento da disfuncionalidade política revelada durante o cabo de guerra entre Executivo e Congresso, o que se viu é que, nas últimas 18 semanas, a demanda foi maior que a oferta para os títulos do Tesouro em volume superior a US$ 100 bilhões e a juros mais baixos.
É importante notar que o papel que a agência de classificação de riscos S&P “rebaixou” continua sendo o mais desejado por quem procura segurança.
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.