Chegou a hora da verdade na Europa. Como venho alertando nos dois últimos anos, o projeto da zona do euro, como inicialmente concebido, é insustentável.

A União Europeia nasceu com o objetivo de integrar diversos países, tornando-os mutuamente dependentes, reduzindo assim riscos de conflitos entre eles, inclusive bélicos.

Infelizmente, em seu formato atual, a coesão não é suficiente para atingir esta meta. Pelo contrário. Hoje, um mix de interdependência monetária e cambial e completa independência fiscal está exacerbando as tensões políticas entre os países da zona do euro.

Muito em breve, a Europa terá de decidir entre mais coesão, perda de autonomia nacional ou, o caminho oposto, revertendo seu projeto mais ambicioso e seu mais importante instrumento de integração, a moeda comum, com a saída de um ou vários países da zona do euro.

Mais integração exige a adoção de medidas politicamente impopulares, tanto pelos países em situação financeira frágil, como pelos que atuariam como âncora da Europa unida.

Por um lado, Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália teriam que abrir mão de boa parte de sua soberania fiscal para a União Europeia. Quer um paralelo? Imagine que, em meio a uma crise no Brasil, fossem anunciados a criação de novos impostos, o aumento de idade de aposentadoria e o fechamento de hospitais por decisão do governo do Mercosul.

Por outro lado, a Alemanha teria que financiar uma enorme expansão dos recursos do fundo de resgate europeu e a criação de “bônus europeus” que transferem a todos os membros da zona do euro a responsabilidade pela dívida de cada um deles e aceitar a emissão de euros pelo Banco Central Europeu para compra de títulos de países em dificuldades – o que causará desvalorização da moeda e aceleração da inflação. Consegue imaginar o Brasil aceitando a volta da inflação para ajudar a Argentina ou se responsabilizando pela dívida do Paraguai?

A Europa terá de decidir se quer e se consegue avançar na integração. Sem isso, calotes soberanos e uma nova crise econômica global são inevitáveis. Ambas alternativas são difíceis e dolorosas. Não existe a opção do status quo.

Além de seus impactos sobre as perspectivas de crescimento global no próximo ano, a decisão europeia será fundamental para definir todo arcabouço da economia mundial na próxima década.

Se optar pela integração, para ter sucesso, a Europa terá de ser apoiada por organismos internacionais – cuja própria sobrevivência dependerá de sua capacidade de apoio e de cobrança de medidas duras – e, principalmente, pelos novos donos do dinheiro no mundo, os países emergentes, capitaneados pela China. Para isso, europeus, americanos e japoneses terão de reconhecer, formalmente, sua atual dependência financeira de países historicamente periféricos e realizar uma enorme transferência de poder para eles nos organismos multilaterais.

Se todos não formos capazes de darmos passos tão grandes, o processo de desintegração econômica e recessão na Europa pode virar a semente de movimentos protecionistas que revertam a globalização das últimas décadas, podendo, no limite, colocar em risco o próprio sistema capitalista.

* Ricardo Amorim é economista e presidente da Ricam Consultoria.

** Publicado originalmente na revista IstoÉ e retirado do site EcoD.