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Estado judeu divide a Europa

Berlim, Alemanha, 20/9/2011 – As diferenças surgidas na União Europeia (UE) com relação à proposta de reconhecimento do Estado palestino na Organização das Nações Unidas (ONU) não parece que serão resolvidos antes da votação desta semana. A solução de dois Estados para o conflito palestino-israelense faz parte da política oficial do bloco, onde vários países, encabeçados pela França, apoiam de forma parcial a proposta da Autoridade Nacional Palestina (ANP), mas, há outros, especialmente a Alemanha, contrários à medida.

Alemanha, Holanda, Itália e República Checa se arriscam a criar uma cisão dentro da União Europeia, que afetará a capacidade do bloco para intervir de forma decisiva em assuntos geopolíticos. “Os governos europeus que se opõem ao reconhecimento do Estado palestino devem reconsiderar sua atitude e trabalhar no contexto da UE para ater-se à política do bloco e apoiar de forma consistente a solução de dois Estados”, afirmou Muriel Asseburg, chefe da divisão de pesquisa sobre Oriente Médio e África do Instituto para Assuntos Internacionais e de Segurança, com sede em Berlim.

O cisma europeu ganhou relevância na reunião de chanceleres realizada nos dias 3 e 4 deste mês, na cidade polonesa de Sopot. O chanceler francês, Alain Juppé, exortou seus pares a atuarem de forma unânime para garantir que “nem Israel nem a ANP obtenham uma derrota e nem os Estados Unidos fiquem sozinhos apoiando o Estado judeu”. Mas a Alemanha se mostra reticente em apoiar a reclamação da ANP. Berlim “tem uma responsabilidade particular com Israel”, disse o chanceler Guido Westerwelle em Sopot, referindo-se à perseguição nazista de judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A UE, incluída a Alemanha, apoiou a “construção do Estado palestino com uma considerável ajuda financeira e técnica” desde os acordos de paz de Oslo de 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel, afirmou Asseburg. “Em 1999, até o fim do período interino acordado em Oslo, a União Europeia anunciou que em seu devido tempo consideraria reconhecer o Estado palestino”, ressaltou.

“O governo alemão, maior doador europeu dos palestinos, concordou, em maio, que a ANP já “funcionava acima do limite de um Estado operacional em muitas áreas cruciais”, disse Asseburg à IPS. Opor-se à reclamação da ANP seria inconsistente e representaria um “duro golpe para a credibilidade da UE no mundo árabe, e fora dele”, acrescentou.

Seria uma “catástrofe” a ANP reunir a quantidade de votos favoráveis necessários na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e os Estados Unidos vetarem a decisão no Conselho de Segurança. alertou Juppé. Para evitar essa “catástrofe”, a França, com apoio de outros países europeus como Áustria, Bélgica, Finlândia, Luxemburgo, Polônia, Eslovênia, Espanha e Suécia, tentam convencer a ANP a solicitar um status elevado de observadora, semelhante ao do Vaticano.

A resolução para conseguir um status elevado exige apenas maioria simples na Assembleia Geral, de 193 membros. Entretanto, prevê-se que os Estados Unidos e os aliados de Israel votem contra ou se abstenham. Os palestinos estão seguros de melhorar seu status na Assembleia Geral se optarem por esse caminho. Contudo, rejeitaram essa melhora semântica porque ela não trará nenhuma mudança significativa na situação atual.

O presidente palestino, Mahmoud Abbas, anunciou, no dia 16, que aposta em conseguir a categoria de Estado total, que, com segurança, será vetada por Washington. Toda resolução da ONU a respeito deve contar com o apoio de seu Conselho de Segurança com nove votos a favor e nenhum veto e, depois por dois terços da Assembleia Geral.

A declaração de um “Estado palestino viável só pode ser resultado de negociações com Israel”, indicou Westerwelle. Trata-se de um argumento que não se sustenta, respondeu Asseburg. A demanda da ANP “dificilmente pode ser rotulada de unilateral. O que deseja é cristalizar o apoio da comunidade internacional e internacionalizar a resolução do conflito”, acrescentou.

“Sem avanços significativos no processo de paz desde 1995, Estados Unidos e o Quarteto para o Oriente Médio ficaram desprestigiados como mediadores”, afirmou Asseburg. “Já é hora de encontrar novas formas para conseguir a solução de dois Estados”, ressaltou. O Quarteto para o Oriente Médio é formado por UE, Rússia, Estados Unidos e ONU.

Uma declaração da Assembleia Geral “reconhecendo coletivamente” a Palestina será mais simbólica do que legal se acabar vetada no Conselho de Segurança, disse Sarah Hibbin, pesquisadora do programa Hotung de direitos humanos e paz da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos de Londres.

A OLP tem status de observadora na ONU desde 1974 e foi convidada a participar de todas as conferências internacionais organizadas pelo fórum mundial, destacaram Hibbin e vários especialistas em direito internacional da Universidade de Londres em um estudo sobre a legitimidade do pedido de reconhecimento da Palestina como Estado soberano.

Esse status deu à OLP uma posição única nas Nações Unidas ao ter maiores direitos de participação do que qualquer outra entidade com status de observadora. Além disso, a Assembleia Geral concedeu,, em 1998, privilégios de participação e direitos adicionais aos palestinos, que puderam participar de debates sobre a situação do Oriente Médio.

Trata-se de um status semelhante ao concedido aos membros da ONU que não integram o Conselho de Segurança e que o órgão convida a participar quando considera que seus interesses estão especialmente afetados pelo tema a ser discutido.

A esmagadora maioria reconhece formalmente a ANP como representante do povo palestino e mantém vínculos bilaterais, alguns até relações diplomáticas totais. A ANP também tem representantes permanentes em mais de 70 países e 114 Estados reconheceram, até agora, a Palestina como Estado soberano, após a Declaração da Independência de 1988.

A Palestina tem status de observadora em agências como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organização Mundial da Saúde (OMS) e é membro do Movimento de Países Não Alinhados, da Conferência Islâmica, do Grupo dos 77 mais China, e da Liga Árabe. Envolverde/IPS