A Prova ABC, cujos resultados foram divulgados no fim de agosto, chama atenção a um problema bastante conhecido e nada surpreendente: 4,5 crianças em cada dez, ao final do terceiro ano, não têm os conhecimentos necessários em leitura e escrita.
No que tange à matemática, o quadro é mais grave: 56% dos alunos não atingiram os níveis esperados. São enormes as diferenças observadas, e mais impressionantes ainda as desigualdades entre o desempenho das escolas públicas e o das particulares.
Não é novidade que o adequado processo de alfabetização, em língua portuguesa e em matemática, deve ser garantido nos anos iniciais do ensino fundamental. Este é o pressuposto básico para assegurar às crianças o direito de continuarem aprendendo sem acumular déficits que dificultarão seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
Trata-se, portanto, do princípio de equidade que deve ser a base do sistema educacional do país. No entanto, a nova avaliação prova o perverso círculo da desigualdade desde o primeiro ano na escola.
A boa notícia é que a média obtida pelos alunos do terceiro ano na Prova ABC em leitura (185,8) é ligeiramente maior do que a média do quinto ano aferida na Prova Brasil 2009 (184,3). Isto significa que, provavelmente, esses alunos chegarão ao final dos anos iniciais mais preparados.
Além disso, as médias obtidas nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste se aproximam da meta de 200 pontos –estabelecida pelo movimento Todos Pela Educação– a ser atingida ao final do quinto ano.
São dados que sinalizam tendências de melhora, sobretudo nas redes municipais, que concentram mais de 70% das matrículas nessa etapa. O grande problema continua sendo a falta de equidade dos resultados.
Como obter resultados melhores e mais equânimes se, desde o início, as crianças mais pobres, oriundas de famílias com pouca ou nenhuma escolaridade, já são vítimas de um sistema ineficiente e incapaz de compensar as desigualdades socioeconômicas na etapa essencial para o sucesso escolar? Como reduzir a defasagem sem uma política firme de atenção à primeira infância, de acesso universal à pré-escola de qualidade e sem um sistema competente de alfabetização?
Está nas mãos dos mais de cinco mil municípios a grande missão de construir o futuro do Brasil. Cabe a eles dar consistência às ações voltadas à primeira infância e garantir a qualidade da pré-escola, além de não poupar investimentos no ensino fundamental.
E, para isso, é indispensável consolidar um efetivo regime de colaboração, capaz de articular políticas que promovam o fortalecimento técnico e institucional das redes municipais.
Se de fato estamos de acordo sobre a qualidade da educação como prioridade nacional, precisamos construir um acordo estratégico para atingir os objetivos.
Esse acordo passa obrigatoriamente por uma articulação entre Estados e municípios, por políticas educacionais continuadas, por uma completa revisão dos programas de formação de professores, por uma definição das expectativas de aprendizagem e do currículo, e por um mapeamento completo das iniciativas locais bem-sucedidas –que, aliás, não são poucas e envolvem entidades públicas, privadas e ONGs.
Não há dúvida de que houve avanços na educação brasileira, mas ainda é cedo para comemorar.
A próxima agenda de políticas é complexa, menos visível, não dá voto e nos coloca diante do dilema: é educação ou educação!
* Maria Helena é ex-secretária de Educação de São Paulo, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), e é coordenadora da ONG Parceiros da Educação.
** Publicado originalmente no site EcoD.