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Apenas uma relação casual

Washington, Estados Unidos, 23/9/2011 – A China rompeu com décadas de crescimento econômico solitário da América Latina e do Caribe, ao aumentar seu comércio com a região. Contudo, estes estranhos companheiros de cama não necessariamente terão uma relação duradoura. Segundo o informe do Escritório do Economista-Chefe para a América Latina e o Caribe do Banco Mundial, a região fez enormes avanços nos últimos dez anos.

Em comparação com a “década perdida” de 1980 e o leve e estável crescimento em grande parte dos anos 1990, a primeira década do Século 21 experimentou taxas de expansão muito mais altas, bem como aumentos nos preços das matérias-primas, crescentes fluxos de capital e quedas nos índices de pobreza. Mais de 50 milhões de latino-americanos superaram a linha de pobreza entre 2002 e 2008, e espera-se que outros cinco milhões o façam até o final deste ano.

Após conseguir uma expansão de 6% ao recuperar-se no ano passado da crise financeira mundial de 2008, prevê-se que a região crescerá entre 3,5% e 4,5% em 2011. O estudo, apresentado no dia 20, também indica que, “em um momento sem precedentes na história, os mercados agora percebem que o risco de suspensão de pagamentos da dívida soberana em vários países da América Latina (como Chile, Colômbia e Peru) é menor do que o da França”, por exemplo.

A região deve grande parte de sua estabilidade ao crescimento da China, que mostra um insaciável apetite por produtos latino-americanos. Segundo o informe, Pequim rompeu com “centenas de anos de crescimento solitário” da América Latina. A aproximação com a China foi extremamente rápida. Na década de 1990, praticamente não havia intercâmbio entre a região e esse país.

No ano passado, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) previu que o gigante asiático se converteria no maior sócio comercial da região até 2015. E já o é do Brasil, Chile e Peru, respondendo com entre 10% e 20% do comércio total. As vendas chilenas para a China saltaram de 5% para quase 25% de todas as exportações desde 2000.

Embora os economistas do Banco Mundial estejam convencidos de que “o robusto crescimento observado na América Latina na última década seja em grande parte devido às conexões com a China”, alguns especialistas alertam que este vínculo deveria ser vigiado de perto, porque, apesar de nutrir uma rápida expansão, também contém as sementes do colapso. O trabalho do Banco Mundial, intitulado “O crescimento de longo prazo da América Latina e do Caribe: feito na China?”, conclui que a região deverá passar por várias mudanças estruturais para conseguir um êxito duradouro.

“Há pouca evidência de que a China possa ter um papel no fortalecimento do crescimento produtivo da América Latina”, disse o economista-chefe do Banco Mundial para a região, Augusto de la Torre, em entrevista coletiva no dia 20, em Washington. “No contexto do medíocre desempenho econômico de Estados Unidos e Europa, a questão crucial é se a América Latina pode tomar como plataforma suas conexões com a China e convertê-las em uma fonte de crescimento de longo prazo”, acrescentou.

“O grau deste crescimento em inclusão e sustentabilidade dependerá das formas como os governos latino-americanos formularem suas políticas macroeconômicas e usarem suas crescentes reservas”, disse, por sua vez, à IPS, Margaret Myers, diretora de programas do centro de estudos Diálogo Interamericano. “Alguns, como o Chile, adotam políticas macroeconômicas sãs e investem em programas sociais destinados a promover o crescimento de longo prazo. Outros não são tão prudentes”, afirmou.

“A América Latina não pode basear um rápido crescimento na demanda por matéria-prima da China para sempre”, afirmou no mês passado Mauricio Cárdenas, diretor da Iniciativa para a América Latina da Brookings Institution. A região “deve começar a pensar formas de gerar crescimento em nível mais doméstico”, acrescentou, explicando que, por ser a demanda chinesa fundamentalmente por petróleo para seu setor manufatureiro e para atender sua crescente população automobilística em megacidades, a dependência pode esgotar logo.

“Se o crescimento chinês diminuir e se um crescimento mais lento for acompanhado por uma queda na demanda por matérias-primas haverá consequências desastrosas para certos países da América Latina”, alertou Myers.

A conexão com a China já transtorna os equilíbrios comerciais na região. Os países ricos em petróleo e minerais, como Brasil e Venezuela, gozam de um enorme superávit comercial com Pequim, enquanto o México tende a um déficit de US$ 11 bilhões. Enquanto isso, cresce o desejo da China de deixar sua “pegada econômica” nos campos de petróleo e gás da região.

No ano passado, a Corporação Nacional de Petróleo Offshore da China pagou US$ 3,1 bilhões em dinheiro por 30% da Corporação Bridas, uma subsidiária da maior exportadora de petróleo da Argentina, a Bridas Energy. A empresa possui campos petrolíferos na Argentina, China e Bolívia, cujas reservas somam 636 milhões de barris de 159 litros, que produzem 92 mil barris por dia.

Provavelmente, a demanda chinesa por petróleo latino-americano continuará por um tempo antes de dar sinais de diminuição. No ano passado, a Agência Internacional de Energia informou que a demanda petrolífera da China cresceu “assombrosos 29%”. Em 2009, esse país produziu 3,8 milhões de barris diários e consumiu mais do que o dobro, 8,5 milhões, contra 4,8 milhões em 2000.

Enquanto isso, existem temores sobre o possível impacto nas comunidades locais latino-americanas de uma maior participação chinesa, considerando o histórico dessa nação em matéria de abusos dos direitos humanos, ambientais e trabalhistas. “Não há garantias de que os empréstimos da China afetem positivamente os trabalhadores em países como o Equador”, afirmou Myers à IPS.

“Os empréstimos do Banco de Desenvolvimento da China tendem a carecer das estipulações de respeito aos direitos trabalhistas e, em países como Equador e Venezuela, que carecem de controles institucionais e previsão macroeconômica, os investimentos vinculados com o petróleo têm poucas probabilidades de gerar crescimento de longo prazo e sustentável”, acrescentou Myers.

Além disso, “a nascente sociedade civil chinesa e a mídia controlada pelo Estado são incapazes de vigiar os abusos ou controlar a corrupção, que, em geral, deriva na degradação ambiental e em violações trabalhistas”, alertou a diretora do Diálogo Interamericano. Envolverde/IPS