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Argentina deve espirrar com o resfriado do Brasil

Buenos Aires, Argentina, 29/9/2011 – Mais do que o eventual desenlace da crise econômica no mundo industrializado, a Argentina observa com moderada preocupação a desaceleração da economia do Brasil, um sócio muito importante para seu desenvolvimento. O último Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta para este ano crescimento de 8% para o produto interno bruto da Argentina, enquanto para o Brasil, que cresceu 7,5% em 2010, agora estima que será de apenas 3,8%.

A Argentina receberá o impacto desta nova situação do sócio maior do Mercosul, que também tem Paraguai e Uruguai, afirmam analistas. Não é o caso da economista Belén Olaiz, da consultoria Abeceb.com, que prefere ser mais cautelosa antes de lançar algum alerta. Embora entenda a preocupação em alguns setores industriais, explicou que “a desaceleração do Brasil é suave e a previsão para 2012 é boa”.

“A economia brasileira perdeu um pouco de velocidade, mas a previsão de um crescimento em torno de 4,5% no ano que vem continua sendo auspiciosa”, disse Olaiz à IPS, e admitiu duas vias de possíveis impactos desta performance reduzida. Por um lado afetará o comércio externo. “Quarenta por cento das manufaturas industriais argentinas são vendidos no Brasil, portanto, em setores como, por exemplo, o automotivo, haverá um impacto negativo”, alertou.

Olaiz acrescentou que, além do fator crescimento, uma eventual desvalorização forte do real em relação ao dólar também prejudicaria áreas como a têxtil e a de calçados da Argentina, que seriam prejudicadas pela competição.

Este mês, o governo brasileiro decidiu baixar a taxa de juros de referência do mercado financeiro, ferramenta que permite manter a inflação sob controle. A medida foi tomada para evitar a chegada de capitais especulativos do mundo em desenvolvimento que, entre outras coisas, valorizam o real e, consequentemente, tiram competitividade das exportações.

Tão logo se conheceu a medida tomada pela presidente Dilma Rousseff, o real começou a desvalorizar, a ponto de a taxa de câmbio passar de R$ 1,59 para R$ 1,90 por dólar em apenas uma semana. Logo após a intervenção financeira do Banco Central no mercado financeiro, vendendo divisas, as cotações voltaram a se estabilizar e cada dólar passou a custar R$ 1,85.

Em conversa com a IPS, o economista Ramiro Albrieu, do Centro de Estudos de Estado e Sociedade (Cedes), deu sua visão do possível impacto que a Argentina sentirá. Desde a criação do Mercosul, os canais de contágio principais de crise entre os dois maiores sócios se manifestam no nível da atividade, afirmou. “Há muita complementaridade entre as duas economias e tudo o que acontece no Brasil tem impacto na Argentina. Nosso perfil exportador mostra que para a Ásia vendemos matérias-primas, mas para o Brasil vendemos principalmente bens industriais”, acrescentou.

Nesse sentido, disse que os números da economia brasileira mostram hoje “uma recessão cíclica”, isto é, que o Brasil vai crescer menos do que a média dos últimos anos, e isso implica menos consumo e mais excedentes. “Para a Argentina, ter de parar a produção de veículos por este motivo é um cenário muito possível, que implicaria em demissões”, afirmou Albrieu. “Qualquer desaceleração terá alguma repercussão”, disse o economista do Cedes, entidade que faz parte da rede acadêmica regional Observatório Econômico do Mercosul.

De fato, a União Industrial Argentina já alertou. Seu presidente, o empresário têxtil José Ignacio de Mendiguren, disse que, além de uma leve desvalorização do real, “o pior cenário para a Argentina é que o Brasil deixe de crescer”. Essa alternativa drástica não está prevista no curto prazo, mas sim um crescimento menor, mais moderado, como descreveu o FMI em seu Panorama. Para Albrieu, isto significa que a Argentina consequentemente também cresceria menos.

Este especialista acrescentou que na última década as economias latino-americanas mudaram e já não se prevê que um volume de exportações menor para Estados Unidos ou União Europeia prejudique diretamente a região. Os maiores clientes de matérias-primas e alimentos da Argentina, como no caso de outros países da região, estão na Ásia, onde o crescimento e a grande demanda continuam elevadas, embora também com tendência a diminuírem.

Entretanto, para a Argentina, o Brasil é um cliente de peso, pelo volume do mercado e, também, porque permite a expansão de seu crescimento industrial e o emprego de qualidade. Envolverde/IPS