A mídia nos estarreceu com a trágica notícia de um menino de 10 anos que atirou contra a professora e terminou suicidando. Que se passa com a sociedade em que uma criança chega a esse extremo?
A curiosidade explicativa vasculhará a família, a escola, os adultos próximos do menor. Os psicanalistas debruçar-se-ão sobre os seus possíveis traumas, sobre o íctus psicótico que o levou a essa loucura. Toda luz seja bem-vinda!
Enquanto isso, nos cabe observar por onde tem caminhado a cultura pós-moderna e como as crianças se inserem nela. Há muitos fatores culturais que nos alertam para eventuais repetições de gestos dessa natureza.
O próprio fato de estarmos escrevendo sobre ele, a publicidade que ele tem adquirido, o sensacionalismo da imprensa marrom, a provocação do impacto de tais fatos sobre a frágil fantasia das crianças correm o risco de acordar naquelas mal resolvidas ímpeto de lançar-se em aventura semelhante. Quanto mais alarde se dê a tais eventos, sobretudo no alcance imaginário das crianças, mais perigos lhes colocam na via.
Os fatos de agressão a diretores e professores nas escolas têm crescido, desde o desrespeito da agressão física até os casos de assassinatos. Isso tem acontecido por parte de alunos, de pais e de outros externos. Parece que a escola se tornou um objeto da violência agressiva da atual cultura ou do descaso do Estado, remunerando ridiculamente os profissionais da educação. Haja vista o caso de Minas Gerais, com longa greve dos professores em busca de mínimo de dignidade.
Voltemos à criança. Que fatores exercem sobre ela efeitos decisivos? Antes de tudo, a presença ou ausência de cuidado nos primeiros anos. A afetividade infantil acumula no profundo de seu ser as experiências positivas de cuidado, como energia para enfrentar a agressividade da vida. Pelo contrário, quando esse lhe falta, torna-se terrivelmente vulnerável à oscilação dos afetos. A bipolaridade se expressa com facilidade por carecer da base sólida do carinho e cuidado materno e paterno dos inícios.
Nunca se insiste demais na importância de tal cuidado para estruturar sadiamente a afetividade. Some-se a esse fato a formação do imaginário infantil. Aqui o papel da sociedade se torna decisivo.
Em vez de incentivar as crianças a viverem a infância na alegria das brincadeiras inocentes com primos e coleguinhas, a mídia tem-lhe povoado a imaginação de vídeos violentos, de horas inativas em face da TV ou do computador. As redes sociais, na infinidade incontrolável de sugestões, incentivos, provocações, têm arruinado em muitas crianças a ingenuidade dos brinquedos. Elas, na verdade, não brincam. Fazem-se adultos precoces. E então se põem a praticar atos de violência que já lhes frequentaram mil vezes a fantasia. Que alguma daquelas imagens se torne realidade não lhes custa muito. Basta um descuido dos pais, e eis o que vimos em São Paulo!
Se a tranquila Noruega se preocupou com os vídeos que açulam violência depois da loucura de Anders, já adulto, que dizer daqueles que batem sobre a imaginação infantil? Os filhos presos à internet enganam os pais quando pensam que eles então tranquilos e seguros. E talvez nesses momentos estejam a preparar alguma tormenta amanhã.
* João Batista Libânio é professor na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE).
** Publicado originalmente no site Adital.