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Energia renovável na rabeira

Buenos Aires, Argentina, 5/10/2011 – Num período de 48 horas, o governo da Argentina inaugurou um reator nuclear e um parque eólico, revelando uma aposta múltipla, e ambientalmente duvidosa, para responder à demanda elétrica. Desde que o produto interno bruto começou a crescer em ritmo quase constante em 2003, a Argentina passou de 17.900 megawatts (MW) para 23.400 MW. No final deste ano, chegará a 27 mil MW, segundo cálculos do Ministério de Planejamento Federal.

Para conseguir este aumento, o governo afirma ter destinado vultosos fundos para diversificar a matriz energética. Contudo, a divisão de investimentos é desigual, e muito mais inclinada a fontes contaminantes, afirmam críticos.

Um parque eólico “é um grande passo na direção correta”, mas se trata de um investimento marginal para o Estado, disse à IPS o especialista em energias Juan Carlos Villalonga, membro do movimento social e político Los Verdes e ex-diretor de campanhas do Greenpeace Argentina. “Há um abismo entre o que o Estado investe em energia nuclear e o que destina para subsidiar a tarifa de eletricidade proveniente da fonte eólica, que também é gerada por empresas privadas. Destina-se muito a um setor e pouco a outro”, afirmou Villalonga.

A presidente Cristina Fernández inaugurou, no dia 28 de setembro, a central atômica Atucha II, em Zárate, norte da província de Buenos Aires, com capacidade de gerar 745 MW e custo superior a US$ 2 bilhões. Pouco antes, em maio, chegou-se à cota máxima da grande represa argentino-paraguaia de Yacyretá, que fornece 15% de energia elétrica à Argentina, mas cuja construção forçou o deslocamento de aproximadamente cem mil pessoas. A obra, que fornece três mil MW, custou US$ 15 bilhões, incluindo indenizações para os que precisaram abandonar suas casas.

A nova central atômica, construída junto a Atucha I, de 370 MW, é a terceira do país. A outra é Embalse, na província de Córdoba, que gera 648 MW, com vida útil prolongada mediante investimento de US$ 1,366 bilhão. Apesar das críticas de ambientalistas pelos investimentos em uma energia que consideram cara e perigosa, para 2020 o governo projeta uma quarta central produzindo mil MW. Isto ocorre mesmo em um contexto mundial cada vez mais reticente à energia nuclear, depois do desastre na central japonesa de Fukushima.

Com Atucha II, a participação da energia nuclear na matriz elétrica passará de 5% a 6% para 12%. O restante provém de petróleo, gás e carvão, das grandes hidrelétricas e, em menor medida, de fontes novas e renováveis. A maior parte da eletricidade é gerada com combustíveis fósseis, com longo histórico de liberação de gases-estufa, entre outros efeitos contaminantes. As fontes renováveis, como as energias eólica, solar e geotérmica e a biomassa, fornecem apenas 3% da eletricidade.

Dois dias depois de Atucha II, a presidente inaugurou o Parque Eólico Rawson, na província de Chubut, região da Patagônia açoitada por ventos quase constantes. O parque, construído pela empresa privada Emgasud, se desenvolve em duas fases. Na primeira foram inaugurados 27 moinhos, e os demais 16 entrarão em funcionamento em 2012. Quando os 43 aerogeradores estiverem funcionando, produzirá 77,4 MW, com investimento que não chega a US$ 150 milhões.

A proximidade dos dois extremos permite comparar o quanto é mais cara a energia nuclear em relação à produzida pelo vento. A organização Greenpeace, que convocou um protesto contra Atucha II, comemorou a inauguração do parque eólico e pediu que seja abandonada a energia atômica e aumentado o investimento em fontes renováveis.

Os fatos mostram que o país “pode e deve abandonar seus projetos de expansão do carvão”, de outros combustíveis fósseis e da “energia nuclear”, disse Ernesto Boerio, do Greenpeace, à IPS. A Fundação Ambiente e Recurso Naturais também criticou a falta de debate e consultas públicas sobre a expansão nuclear, e lembrou a urgente necessidade de mostrar à sociedade os benefícios da energia renovável.

Para Villalonga, tudo que foi investido em Atucha II desde sua primeira etapa, quando a obra ficou inconclusa, e a partir de 2004, quando se retomou sua construção, fica entre US$ 5 bilhões e US$ 6 bilhões. “Isto não é nem remotamente comparável com o subsídio da tarifa de eletricidade que gerarão os moinhos eólicos, ou seja, se o Estado quisesse poderia investir muito mais em energias renováveis”, afirmou.

Em sua opinião, o governo habilitou uma série de projetos limpos para cumprir a lei que obriga que, em 2016, 8% do fornecimento de energia seja proveniente de fontes limpas e alternativas. Entretanto, mesmo com o novo parque, a energia eólica chega somente a 100 MW, e a solar, que aparece em outro projeto privado na província de San Juan, é mínima quando comparada com outras fontes. No caso de novos projetos renováveis se concretizarem, essas fontes vão produzir mil MW, contra um total de 27 mil MW.

Villalonga também questionou que a presidente tenha pedido a empresas nacionais que substituam a importação de tecnologia eólica, um esforço que não é solicitado com relação ao setor nuclear, nem a outros que se abastecem no exterior. Envolverde/IPS