Paris, França, 6/10/2011 – Fazer algumas mudanças básicas nas políticas educacionais pode conseguir que muito mais meninas frequentem a escola, segundo especialistas reunidos por ocasião do Dia Mundial dos Docentes, que em sua edição de ontem buscou promover a igualdade de gênero. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Quênia é um exemplo de país que obteve enormes avanços rumo ao objetivo da educação universal ao incorporar a consciência de gênero na administração escolar.

“Oferecemos almoço gratuito, mas também garantimos que nas escolas haja toalhas higiênicas disponíveis, e isso reduziu bastante as faltas”, disse à IPS o ministro queniano da Educação, Sam Ongeri. “Alimentar os estudantes é uma coisa, mas quando se faz com que as meninas se sintam cômodas e potencializadas na escola, isso faz uma grande diferença”, afirmou Ongeri em uma entrevista realizada no contexto do fórum de alto nível, realizado dias 3 e 4 deste mês no Instituto Internacional de Planejamento da Educação, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Na última década, o Quênia e muitos outros países progrediram na redução das brechas de gênero em matéria educacional, segundo a Unesco. Contudo, em algumas regiões, as meninas ainda estão atrasadas quanto às oportunidades educativas, disse esta agência em um informe, acrescentando que “nascer menina traz uma significativa desvantagem educativa em muitos países”. Segundo a Unesco, muitos governos avançam lentamente na eliminação de brechas de gênero, e 69 não conseguem a paridade de gênero nas matrículas do ensino fundamental. Isto se traduz em que 3,6 milhões de meninas não cursam essas séries, acrescentou.

Em termos gerais, há cerca de 67 milhões de crianças que não vão à escola. Destas, mais de 50% são meninas. Além da pobreza e dos conflitos, frequentemente as normas sociais e culturais são culpadas pela marginalização das crianças em algumas áreas. Porém, este último é um tema delicado nas organizações governamentais internacionais.

A ONU trabalha para criar lugares “não tradicionais” de aprendizado para o público feminino, “especialmente para meninas analfabetas ou que desertaram da escola” em países como Afeganistão e Paquistão, disse à IPS a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova. “Às vezes, também usamos escolas móveis para populações nômades, com estas medidas, podemos chegar a centenas de milhares de mulheres”, acrescentou.

Segundo Bokova, é importante que a Unesco “incentive os governos” a tornarem uma prioridade a educação das meninas em suas políticas nacionais, mas, ao mesmo tempo, a serem “criativos”, especialmente ajudando os que abandonam seus estudos. “Dar educação aos que abandonam a escola é o maior desafio”, acrescentou à IPS. Atualmente, dois terços dos 796 milhões de adultos analfabetos são mulheres, segundo dados da ONU. Os que participaram da conferência também disseram que a educação deve ser uma fonte de afirmação do poder de gênero, transformando a mentalidade de meninas e meninos na medida em que se consegue a igualdade.

“Para mudar a sociedade, os indivíduos não só devem aprender disciplinas acadêmicas básicas como também devem desenvolver um senso de valor em relação a si mesmos, sentir que pertencem a uma determinada sociedade e aprender a se defender de ameaças e desafios”, disse Nelly Stromquist, professora de políticas educacionais internacionais na norte-americana Universidade de Maryland. Stromquist e outros especialistas afirmaram que os governos precisam garantir que as meninas se sintam seguras na escola, além de dar acesso a água limpa e instalações sanitárias. Este último é “muito importante para as adolescentes”, destacou.

Alice Kagoda, professora da Universidade Makerere, de Uganda, afirmou que é comum as meninas serem assediadas no caminho da escola e também dentro desses centros de estudos, e que é importante ensinar-lhes como enfrentar estas situações. “A menina de comunidades mais pobres na África enfrenta desafios já ao sair de casa, ou quando vai buscar água, e até ao buscar lenha”, explicou à IPS. “Nas sociedades rurais também vão à escola caminhando, e as próprias meninas dizem que em todos esses processos sofrem assédio”, acrescentou.

Na escola, às vezes correm o risco de serem assediadas pelos professores, disse Kagoda. E, em suas casas frequentemente não têm tempo para fazer os deveres da escola porque estão ocupadas com as tarefas domésticas. “São muitos problemas que não prometem que as meninas pobres estudem”, explicou. Para ela, os homens que administram as escolas não puderam ver ou compreender plenamente estes problemas específicos do gênero, por isso é imperativo que os governos assegurem que haja suficiente pessoal docente feminino, e também em cargos de direção.

Os especialistas reunidos na conferência disseram que a presença mundial de mulheres como professoras “diminui na medida em que aumenta o grau” hierárquico. Na Libéria – um caso “extremo”, segundo um orador –, 93% dos diretores são homens. “Temos de ser realistas. Muitos países estão dispostos a mudar mas não sabem bem como fazer ou como abordar o tema”, disse Khalil Mahshi, diretor do Instituto Internacional de Planejamento da Educação.

“Esta é uma oportunidade de compartilhar pesquisas e unirmos nossas experiências para podermos ajudar os governos a melhorar a inclusão das mulheres em postos de liderança. Temos de continuar defendendo e incentivando a mudança”, ressaltou Mahshi. Entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, está a ambiciosa meta de conseguir igualdade de gênero na educação até 2015, e os funcionários dizem que isto inclui a situação dos homens. Que apresentam maior deserção em regiões como América Latina e Caribe.

“Quando restam apenas quatro anos para a data determinada nos Objetivos, precisamos novamente nos comprometer e acelerar nossos esforços para reduzir a brecha de gênero, e garantir que todas as crianças completem a escola primária, e que meninas e meninos tenham acesso igualitário a uma educação gratuita e de qualidade”, disse Cheryl Gregory Faye, titular da Iniciativa das Nações Unidas para a Educação das Meninas. Envolverde/IPS