Mineiros chilenos abandonados à própria sorte

Há exatos 12 meses o resgate milagroso dos 33 homens cativou o mundo, mas muitos ainda sofrem traumas psicológicos e denunciam o governo por falta de apoio.

Mineiros presos apareceram neste vídeo mais de um mês após o colapso da mina. Foto: Reprodução/AP

Um ano após o resgate hollywoodiano dos mineiros chilenos, Samuel Avalos, um dos 33 homens resgatados, agora diz que os sobreviventes foram abandonados, tanto financeiramente como psicologicamente. “É cada um por si”, disse Avalos, quando lhe pediram para descrever o aconselhamento psicológico e apoio financeiro dado a ele nos últimos 12 meses. “Lançaram-nos ao vento e nos usaram para experimentos com comprimidos, dando-nos tudo, até mesmo antipsicóticos!”

Avalos, um homem de 42 anos que tinha pouca experiência em mineração antes do acidente, está vivendo do pouco que consegue arrecadar com palestras ocasionais. Ele também teve que vender artefatos pessoais que levava consigo durante o enclausuramento por US$ 8 mil a um museu chileno dirigida por Carlos Cardoen, um empresário milionário que fez sua fortuna vendendo bombas para Saddam Hussein.

Em uma variação da Síndrome de Estocolmo, em que vítimas de sequestros se apaixonam por seus sequestradores, os mineiros desenvolveram um apego patológico ao responsável pelo trauma – a própria mina de San José –, explicou Rodrigo Gillibrand, opsiquiatra em Santiago, no Chile, responsável pelo tratamento de muitos dos mineiros. “Não haverá retorno à normalidade”, pontuou Gillibrand. “Neste caso é impossível, a estrada está repleta de traumas.”

Problemas psicológicos entre os mineiros aumentaram profundamente nos últimos meses, forçando o governo a internar pelo menos três deles em casas de saúde.

Tortura no subsolo

Enquanto estavam presos no subsolo durante dez semanas, os 33 homens passaram por situações que são praticamente a definição da tortura: escuridão, falta de noção do tempo, privação de comida, ameaça de morte iminente, e mais importante, uma completa incerteza sobre quando  o incidente poderia acabar.

“Experimentos com mamíferos nos têm mostrado que é a incerteza que é tão traumática”, disse Gillibrand. “É muito parecida com os sintomas observados em veteranos da Guerra do Vietnã. As pessoas sentem uma raiva permanente, e pesadelos (….) Muitos destes homens vão precisar de tratamento pelo resto da vida. É impossível apagar esse trauma”.

Durante os primeiros 17 dias em que estavam presos e sem nenhum contato com o mundo exterior, os homens construíram uma sociedade única no subsolo. A ameaça constante de morte, a falta quase total de alimentos e o pressentimento de que iriam perecer coletivamente naquela caverna inóspita levou os homens à beira de uma espiral fatalista muito lenta e horrível.

O canibalismo não era apenas uma possibilidade, mas uma certeza. “Os homens observavam uns aos outros e se perguntavam quem iria morrer primeiro. Não era segredo que a primeira vítima também seria a primeira refeição “, disse um dos membros da equipe de resgate que pediu para não ser identificado.

Como resultado dessas e outras experiências vividas durante o enclausuramento, Gillibrand estima que cerca de um terço dos homens apresenta sintomas extremos de estresse pós-traumatico 12 meses após serem libertados. Gillibrand também criticou o que chamou de “abandono” dos mineiros por parte da sociedade chilena. “Com o resgate foram libertados, mas não curados”, lembrou o médico.

Tradução: Opinião e Notícia.

* Publicado originalmente pela Newsweek e retirado do site Opinião e Notícia.