Rio de Janeiro, Brasil, 17/10/2011 – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu apenas reduzir o número de soldados da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), após estender sua presença por pelo menos mais um ano. Deste modo, ignora-se a crescente pressão de setores civis para colocar um fim a uma missão que “não pode ser eterna”. Apesar de as fortes manifestações a favor da retirada imediata da Minustah partirem principalmente dos países envolvidos, a resolução do dia 14 foi aprovada por unanimidade, deixando registro de que há “intenção de renovar seu mandato para depois de 15 de junho de 2012”.
“Os futuros ajustes da formação da Minustah devem ter por base a situação geral de segurança no terreno”, considerando o fortalecimento de sua polícia nacional, o respeito aos direitos humanos e a estabilização da situação política interna, afirmou o Conselho de Segurança da ONU. A resolução 2012 estabelece que a força de paz fique constituída “por 7.340 militares de todas as patentes e um componente policial de até 3.241 efetivos, de acordo com o informe do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon”, que recomendou a redução de 2.750 integrantes no total para chegar à quantidade que havia antes do terremoto de janeiro de 2010.
Ban tomou por base para sua proposta a ideia de que a segurança no Haiti melhorou, embora ainda seja “frágil”, e de que as estatísticas de violência comum estão crescendo. A Minustah, integrada por soldados de 30 países, foi criada em 2004, após a derrubada e partida para o exílio do presidente Jean-Bertrand Aristide, em meio a uma violenta situação política. “É preciso dar um sinal claro de que não ficaremos lá eternamente”, afirmou Celso Amorim, ministro da Defesa do Brasil, que é o país que contribui com o maior número de capacetes azuis, com 2.185 soldados a serviço da ONU. “Tampouco podemos sair irresponsavelmente” e dar um sinal errado de que o país se afasta da problemática do Haiti, explicou.
O mandato da missão, que nasceu para garantir a proteção de civis e um retorno seguro à democracia, foi ratificado no ano passado para contribuir com a recuperação depois do terremoto, no qual morreram 300 mil pessoas e que agravou a situação econômica e social do país mais pobre do continente. Depois do segundo turno das eleições presidenciais de março no país, foram acrescentados novos argumentos para a presença da Minustah, como a busca de consolidação das instituições e para garantir o respeito aos direitos humanos.
“Reduzir escassamente a missão militar não fará diferença para o cidadão haitiano médio. O que importa é incrementar consideravelmente a ajuda à infraestrutura e ao desenvolvimento”, disse à IPS Brian Concannon, diretor do Institute for Justice and Democracy in Haiti, com sede na cidade norte-americana de Boston. “Contudo, o vice-porta-voz da delegação dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Payton Knopf, afirmou que o papel da operação é a manutenção da paz, “não trabalhar no desenvolvimento”, embora, em última instância, sejam complementares.
O mal-estar pela presença de tropas da ONU no Haiti aumentou após alguns episódios de abusos de força e um foco de cólera, que causou a morte de seis mil pessoas, atribuído a um de seus contingentes. O descontentamento também aumentou após denúncias de supostos ataques sexuais por parte de alguns soldados. O deputado uruguaio Gustavo Rombis, da governante coalizão esquerdista Frente Ampla, disse que a redução da tropa da ONU não foi motivada pelas denúncias de abusos sexuais, pelos quais são acusados seis fuzileiros navais de seu país. “A redução estava prevista”, afirmou Rombis, integrante da Comissão de Defesa da Câmara de Deputados.
“Estamos falando de um informe da Secretaria Geral das Nações Unidas que começou a ser elaborado em março, isto é, muito antes da proposta (na última reunião de ministros da Defesa da Unasul) de retirada gradual de tropas da Minustah”, acrescentou o deputado. A Unasul (União de Nações Sul-Americanas, integrada por 12 países da região) contribui com 5.300 efetivos para a missão, equivalentes a 40% do total de seus integrantes. O Uruguai, com 1.200, é a segunda maior força, depois do Brasil.
No Uruguai, algumas figuras políticas e intelectuais, entre os quais o escritor Eduardo Galeano e o ex-legislador Guillermo Chifflet, um dos fundadores da Frente Ampla, pediram uma retirada completa dos militares uruguaios do Haiti. “O que deve ser feito é retirar as tropas (completamente), porque as forças de ocupação sempre atuam contra os interesses do país que ocupam”, alertou Chifflet à IPS. “O que o Haiti precisa é de alimentos e médicos, não armas, que não amenizam a fome”, acrescentou Chifflet, que renunciou ao parlamento em 2005, precisamente por sua oposição, contra os demais companheiros de bloco, ao envio de tropas para o Haiti.
O diplomata Marcos Azambuja, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, considera que “toda missão precisa ter fim e que, por definição, não pode se eternizar”. Em entrevista à IPS, disse que o Brasil “deu uma verdadeira colaboração e adquiriu certa experiência nos processos de reconstrução de paz, o que foi bom para o Haiti e para a operação. No entanto, agora, claramente, é hora de substituir nossa presença, pois a missão está cumprida”. Azambuja entende que, ainda que com outros atores internacionais, a missão deve permanecer porque “a situação no Haiti é, do ponto de vista humanitário, desesperadamente difícil”, acrescentando que “o problema destas missões é que não podem ter um caráter de neocolonização, não podem parecer que se trata da substituição da autonomia por uma presença internacional”.
No Brasil, outras pessoas apoiam uma retirada total das tropas, mas por razões distintas. “É importante que seja reconhecida a soberania do Haiti e se retirem as tropas que participam da ocupação”, disse à IPS a diretora da Rede Global de Justiça e Direitos Humanos, Maria Luísa Mendonça. “O Haiti foi alvo de intervenções militares e de políticas neoliberais que devastaram sua economia e causaram repressão, pobreza e fragmentação social. Este quadro tem de ser transformado com urgência”, ressaltou.
Esta é a posição de várias personalidades latino-americanas, como Eduardo Galeano, os argentinos Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Nobel da Paz, e Juan Gelman, escritor e jornalista, o paraguaio Martín Almada, ganhador do Nobel Alternativo da Paz, e o bispo emérito brasileiro dom Pedro Casaldáliga, os quais qualificam a Minustah de “imperialista”. Em carta enviada aos presidentes dos países que participam da missão, estes e outros signatários consideraram que a “suposta operação de paz” é, na realidade, uma ocupação militar “injustificável e imoral”, que viola a soberania haitiana. Também propuseram a adoção de um cronograma de retirada e a destinação dos US$ 800 milhões anuais que a Minustah consome para obras sociais e de desenvolvimento no Haiti.
Marcelo Carreiro, especialista em relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, disse à IPS que, depois das eleições deste ano, existem inegáveis condições favoráveis para a saída do contingente da ONU. “É necessário explicar por que o Brasil teria de permanecer com tropas militares em um país cuja ajuda humanitária é muito mais urgente”, afirmou. Entretanto, pelo visto, todos estes pronunciamentos, não foram considerados pelo Conselho de Segurança. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Raul Pierri (Montevidéu) e Elizabeth Whitman (Nações Unidas).