A mobilidade caótica dos grandes centros urbanos do mundo afeta os negócios e a saúde da população. A transformação desse cenário passa por vontade política e mudança de comportamento.
A abertura das discussões do workshop do Eixo Cidades no EIMA 8 já trazia no título o cerne do debate que se iniciaria em seguida: “O novo paradigma da mobilidade”.
Viver em uma cidade projetada levando-se em consideração as pessoas, ao invés dos carros, representa, de fato, uma grande quebra de paradigma que precisa ocorrer para que a vida urbana ganhe qualidade.
“Mudar a cultura do automóvel fortemente impregnada no imaginário social, tendo em vista a maciça presença dessas empresas na mídia, requer tempo. A indústria automobilística faz apologia à paixão do brasileiro pelos carros e isto, para mim, é questionável. Precisaremos mudar costumes e isto não acontece de uma hora para outra”, afirmou Mauricio Broinizi, representante do Programa de Cidades Sustentáveis.
Por causa dos carros, as cidades são responsáveis por 80% das emissões de carbono. Mesmo assim, sob pena de elevar drasticamente os custos da saúde pública com o tratamento de doenças respiratórias causadas ou agravadas pela poluição, uma cidade como São Paulo, que possui 11 milhões de habitantes somente no município, não tem um plano de mobilidade, com exceção dos realizados para metrôs e trens.
Outra crítica apontada durante o encontro foi que a sociedade civil ainda não é envolvida na construção de um plano de mobilidade, portanto não existe um processo participativo quanto a isso.
Mauricio Broinizi apela: “Poder público: saia do atraso! Nossa política de transporte está absolutamente equivocada e não precisamos inventar nada, há diversas iniciativas em outras cidades que já são exemplos de boas práticas”.
As ciclofaixas foram destacadas como um dos exemplos de soluções, devido ao seu baixo custo e à rapidez para implantação.
Além disso, de acordo com Antonio Miranda, da União de Ciclistas do Brasil (UCB), responsável pelo Plano Cicloviário de Sorocaba – que tem largura de apenas 90 centímetros, ao lado das calçadas –, é possível estabelecer uma ciclofaixa segura. Outro ponto a ser considerado é que as cidades, em sua maioria, não possuem, ou possuem pouco, espaço para as ciclovias. Diante disso, a ciclofaixa, mais uma vez, se mostra tangível.
A expansão dos metrôs e a melhoria na qualidade dos ônibus representam também opções relevantes de melhoria na mobilidade urbana. Especificamente para São Paulo, foi considerada ainda a despoluição dos rios que cercam a cidade para uso dessas vias como transporte.
Mostrando o quanto o planejamento beneficia a população, há 150 anos, um urbanista pensou em critérios de mobilidade modernos, prevendo espaço para transeuntes e para carros, ao elaborar o planejamento da cidade de Barcelona.
Joan Puigdollers i Fargas, vereador responsável de Meio Ambiente da prefeitura de Barcelona e deputado delegado de Espaços Naturais e Meio Ambiente da região de Barcelona, acrescentou que, na época, mesmo em se tratando de mais de um século atrás, o especialista conseguiu enxergar que haveria carros no futuro e isso atualmente faz a maior diferença “para uma cidade que recebe milhões de turistas a cada ano e que tem uma alta densidade demográfica”, afirmou.
Já em São Paulo, ocorreu o contrário. A intensificação da migração nordestina no início da década de 1960, somada ao crescimento vertiginoso da cidade, mostrava claramente o quanto a cidade estava inflando, mas nada foi feito a não ser o aumento da oferta de ônibus, que não resolveu o problema.
Essa realidade foi mostrada por um documentário apresentado por Alberto Galvão Branco, consultor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).
As cenas, gravadas em 1950, mostraram que o problema do transporte público em São Paulo já existia. Foram exibidas imagens de engarrafamentos e ônibus lotados. Não fosse pelos modelos antigos e por serem em preto e branco, poderíamos pensar que haviam sido gravadas ontem.
Em uma das falas, o locutor do documentário relata “o drama da luta pelo transporte” e finaliza dizendo: “Quando chegará o dia em que São Paulo não verá mais um quadro como esse?”.
Não parece verossímil acreditar que, passados 61 anos, ainda não temos tecnologias e ações suficientes para dar essa resposta.
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OS 10 PRINCÍPIOS DA MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL, elaborados pelo Instituto de Políticas para o Transporte e o Desenvolvimento do Brasil e apresentados por sua diretora Helena Orenstein.
1 – Ande a pé: melhorar espaços para convívio, além de calçadas, beneficia as caminhadas e melhora a saúde das pessoas;
2 – Propulsão humana: se não vai a pé, vá de bicicleta, daí a necessidade de ciclovias e ciclofaixas;
3 – Vá de transporte coletivo: fornecer bom transporte público com uma relação custo-benefício atraente tira muitos veículos das ruas;
4 – Limites: estabelecer quantidade máxima de carros nas ruas, se não tiver como ir sem carro, usar o compartilhamento; outra ação nesse sentido é o pedágio urbano;
5 – Cuide das entregas: utilizar veículos menores e mais silenciosos para transporte de mercadorias;
6 – Misture: ao colocar lojas nos andares térreos de prédios e residências em cima, por exemplo, as ruas se tornarão mais movimentadas e, consequentemente, mais seguras;
7 – Preencha os espaços, prevenindo o espraiamento urbano: aproveitar espaços vazios para criação de bairros compactos e atraentes; galpões abandonados também cumprem bem essa função;
8 – Fique ligado: quanto mais houver respeito pela história das comunidades, seu patrimônio cultural e natural, será melhor;
9 – Conecte as quadras: favorecer caminhadas diretas e produtivas;
10 – Faça durar, construa a longo prazo! Ao construir com bons materiais, tendo gestão da manutenção, vai durar muitos anos.