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Mulheres buscam deixar sua marca

Túnis, Tunísia, 25/10/2011 – A população tunisiana foi maciçamente às urnas para eleger uma assembleia constituinte, nove meses depois da derrubada do regime de Zine el Abidine Ben Ali. As mulheres lutam para que nesse processo seus direitos não sejam diluídos. Dos 4,1 milhões de pessoas previamente registradas, 90% votaram no dia 23, segundo fontes oficiais. Ainda é desconhecido o total dos que compareceram, pois havia outros 3,1 milhões habilitados a votar que não se registraram, podendo fazê-lo no local de votação.

A população deveria eleger 217 constituintes entre 11 mil candidatos de 80 partidos, metade deles mulheres. A campanha eleitoral no berço da Primavera Árabe se converteu, entre outras coisas, em uma batalha pelos direitos femininos. “Estou muito orgulhosa destas mulheres, todas extremamente capazes”, comemorou Maya J’ribi, secretária-geral do Partido Democrata Progressista (PDP), que liderou a lista na capital. “Avançamos para uma era da mulher na Tunísia”, disse à IPS no dia 22, na sede do partido lotado de mulheres, algumas com véu, e dezenas de jovens.

“Este ano nossa prioridade não é a laicidade, mas a democracia”, disse à IPS outra candidata do PDP, Najed Zammouri. “Espero que as mulheres desafiem seus maridos nestas eleições”, disse Khadija ben Hassine, candidata do Polo Democrático Modernista ao governo de Manouba, referindo-se à crescente popularidade do partido islâmico moderado Ennahda, que preocupa as candidatas e que, segundo a contagem inicial dos votos, teria maioria.

Manouba é a região mais fértil da capital, e também a mais pobre. A chegada da indústria têxtil ao outrora centro agrícola deixou muitos desempregados quando os agricultores foram obrigados a vender suas terras às empresas recém-chegadas. A indústria têxtil emprega majoritariamente mulheres, por isso os homens perderam seu tradicional papel de provedores do lar e tiveram que ficar em casa, uma mudança social que frustrou a população masculina.

“O Ennahda oferece aos homens devolver-lhes a virilidade perdida na vida real por meio da religião”, disse Hassine à IPS. Mas as mulheres não seguem seus maridos nas urnas, acrescentou. “Muitas querem melhorar sua vida cotidiana. Esta eleição lhes dá oportunidade para escolher segundo seus próprios interesses”, acrescentou. Muitas mulheres progressistas apoiam o Ennahda, apesar do temor do crescimento de um partido islâmico pós-revolucionário.

Duas mulheres na avenida Paris, uma via movimentada do centro de Tunis, manifestaram seu apoio ao Ennahda pois, segundo elas, é o “único partido honesto”. Ambas jovens, na faixa dos 20 anos e com roupas ocidentais, acreditam que é o único partido capaz de fomentar a criação de emprego e a transparência. O Ennahda realizou seu ato de fim de campanha em um estádio lotado de Ben Arous, a 15 quilômetros do centro de Tunis, onde se concentraram centenas de mulheres conservadoras e progressistas.

Souad Abelrahim, única candidata dessa força política que não usa o véu, sentou-se no centro do palanque em uma demonstração da postura progressista do Ennahda. Ela pretende demonstrar às mulheres que nada têm a temer de seu partido. Os oradores insistiram que o partido é diferente dos partidos islâmicos que governam o Irã ou a Arábia Saudita. Também reiteraram que, sendo eleitos, conservarão o código de família de Tunis, um dos mais avançados do mundo árabe.

O partido reafirmou seu compromisso com os valores democráticos e os direitos das mulheres. Entretanto, muitos analistas laicos temem que, uma vez no governo, mostrem uma agenda mais conservadora. O temor deriva da reação de grupos salafistas que atacaram salas de cinema que exibiam o filme “Laicité Inch’Allah”, da diretora Nadia al Fani. Conservadores também atentaram contra o canal de televisão Nessma por apresentar “Persépolis”, um filme autobiográfico da iraniana Marjane Satrapi.

“Por isso decidi participar das eleições, para defender a liberdade de expressão e de cultura na Constituição”, disse Selma Baccar, outra reconhecida cineasta. As mulheres de todos os partidos tiveram que lidar com a grande discriminação dos meios de comunicação. Apesar de serem 50% das candidaturas, só conseguiram 25% do espaço dado aos candidatos. A legislação eleitoral garante a presença feminina nas listas, mas não oferece garantias sobre a quantidade a serem eleitas.

Organizações de mulheres, que mobilizaram suas integrantes para as eleições da Constituinte, trabalham para que o impulso em defesa dos direitos das mulheres não seja cooptado por uma Constituição dominada pelos homens. Antes não havia outra opção a não ser votar em Ben Ali. A revolta mudou a situação, mas restam obstáculos para alcançar seus objetivos, em especial para as mulheres. Envolverde/IPS