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Muito mais do que dinheiro

Montreal, Canadá, 27/10/2011 – As iniciativas de microcrédito para financiar o desenvolvimento podem se beneficiar retornando à essência de seus objetivos e adotando novos enfoques integrados, que incorporem outras prestações sociais, afirmam especialistas. Representantes de instituições de microfinanças e de cooperativas compartilharam opiniões sobre novas estratégias para impulsionar projetos de desenvolvimento de pequena escala, durante o Fórum Internacional sobre Economia Social e Solidária, realizado em Montreal, no Canadá, entre 17 e 20 deste mês.

“O microcrédito é muito importante para as pessoas de baixa renda por ser a única forma de conseguirem um empréstimo e melhorar sua qualidade de vida”, explicou José Ramiro Becerra Sterling, gerente-geral da cooperativa de poupança e crédito da Colômbia, a Utrahuilca. Desde seu começo, as instituições de microcrédito do mundo, inspiradas no Banco Grameen fundado em Bangladesh por Mohammad Yunus, ofereceram empréstimos a juros ao alcance de pequenos produtores rurais e empresários.

Os especialistas afirmam que os pequenos empréstimos são melhores do que os créditos tradicionais e, para muitas pessoas, representam a diferença entre mendigar ou investir para gerar uma renda real. A Utrahuilca é uma iniciativa que oferece um “valor agregado” social e cultural, afirmou Sterling. A cooperativa oferece seguro e crédito a juros baixos, bem como serviços de saúde, empréstimos para moradia, educação política e organização sindical, além de programar atividades artísticas, esportivas e infantis.

“Se não oferecemos um valor agregado, não damos nenhum incentivo aos trabalhadores que nos pedem ajuda. Temos que lhes dar um tratamento digno”, disse Sterling. Já a cooperativa Pro-Rural, da Bolívia, foi pensada como novo protótipo de microcrédito. Em lugar de conceder um pequeno empréstimo tradicional, converte-se em sócia de uma “empresa de risco compartilhado no setor de serviços financeiros rurais”, explicou o diretor-executivo do projeto, Flavio Ralde Laguna. “Não só gerimos fundos e concedemos empréstimos. Investimos com os produtores”, contou à IPS.

Após analisar as microfinanças da Bolívia, Laguna concluiu que não faz a diferença com relação aos custos de produção. Os camponeses acabam “pagando” pelo medo dos investimentos dos bancos. “Isso nos fez pensar que deveríamos lançar um novo modelo, baseado em investimentos. Queríamos que os produtores fossem os atores”, acrescentou.

A Pro-Rural participa com um máximo de 49% do capital inicial de cada projeto, e oferece capacitação, cria programas para consolidar as capacidades e, quando empresários e produtores estão bem instalados, retira seu investimento original. “Assim, não é como um minibanco de microcrédito. Assumimos riscos”, disse Laguna. Por meio de pequenos fundos de investimento regionais e empresas de risco compartilhado, representantes da Pro-Rural esperam desenvolver ferramentas financeiras junto com os produtores rurais, e não serem meros credores, mas sócios, explicou Laguna.

Existe uma queda geral das cooperativas no mundo, disse o diretor-executivo da Fundação Seira, Miquel Miró, que observou a tendência principalmente na Catalunha, mas afirma ser um fenômeno que se generalizou após a crise econômica iniciada nos Estados Unidos, em 2008. “A tecnologia, a informação e os investimentos necessários para criar uma empresa são muito pequenas”, disse Miró à IPS, lembrando que esses custos podem ser facilmente cobertos com microcréditos manejáveis. “Com um computador, um telefone celular e uma mesa é possível trabalhar”, acrescentou, referindo-se às empresas baseadas no conhecimento.

O microcrédito é chave porque os “bancos convencionais não concedem pequenos empréstimos, especialmente a pequenos empresários”, destacou Miró. Projetos de sucesso de microcréditos têm o valor agregado do investimento privado e de apoio público. Sterling disse que espera melhorar as alianças estratégicas públicas e privadas de Utrahuilca. A Pro-Rural começa a receber apoio do setor privado boliviano, afirmou Laguna. “Sentem-se mais cômodos aproximando-se dos produtores por intermédio da nossa organização, em lugar de investirem sozinhos”, esclareceu.

O governo da Bolívia também deu seu apoio ao programa e, no âmbito internacional, a Pro-Rural recebeu apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Realmente acreditam no modelo”, ressaltou Laguna. É apenas o primeiro passo, “mas não o único”, afirmou. “Se não houver um enfoque mais integral e acompanhamento como nós fazemos, acabaremos com uma grande quantidade de pessoas sem acesso às instituições financeiras”, acrescentou. “Temos de construir uma profunda confiança e credibilidade nas cooperativas para que a comunidade sinta que a nossa é realmente diferente”, afirmou Sterling. Envolverde/IPS