Miami, Estados Unidos, outubro/2011 – No já complexo panorama do Oriente Médio e da região árabe, para Obama e seus colegas, faltava apenas uma captura de Gadafi (por outro lado, esperada). Embora se assumisse que a longa marcha da oposição e a prática guerra civil acabaria algum dia com a prisão do ditador em fuga, também se aceitava como alternativa improvável que acabasse se esfumaçando, ou convertendo-se em um beduíno anônimo, sem que se soubesse de seu paradeiro. Temia-se – o que, felizmente, não ocorreu – que pela energia aplicada na busca febril da oposição, o trágico episódio terminasse como no Iraque: com uma réplica da prisão de Sadam Hussein. A morte do sátrapa representa um suspiro de alívio para Obama e seus colegas.
Agora, a Otan, que não se esqueça é o órgão que “declarou” a guerra a Gadafi, evitou uma batata quente que, como sempre acontece, poderia cair sobre Obama, que já tem problemas suficientes. Os Estados Unidos devem encarar, de vez em quando, tanto as responsabilidades como o controle da organização. Acabada a guerra, agora começa a verdadeira reconstrução, não limitada ao reparo de estradas e prédios semidestruídos. Não há dúvidas, também, de que o primeiro-ministro britânico Cameron (com tensões internas) e o presidente francês Sarkozy agora sorriem, ainda mais do que quando desembarcaram em Trípoli para reclamar o mérito pela ação tomada em seu momento de apoiar os rebeldes, tornando impossível as manobras guerreiras do ditador. A relativa limpeza com que Paris, Londres, Washington e outros modestos aliados europeus (Madri) trataram a crise líbia, agora se reforça.
O que fazer com Gadafi, se fosse capturado? As alternativas eram várias, uma mais complicada do que a outra. Como primeira opção, o lógico seria, considerando que as potências ocidentais haviam reconhecido a legitimidade da oposição e que já dominava todo o território líbio, que o tratamento judicial do ditador poderia ficar como um assunto interno. Agora, esta razoável solução abria outras incógnitas, algumas derivadas dos precedentes, e uma tão complexa quanto a outra. No ar pairava a experiência do julgamento e da execução de Sadam Hussein, não exatamente um modelo a ser imitado. Tampouco era aconselhável deixar as mãos livres dos novos dirigentes líbios, que poderiam cair na tentação do julgamento midiático de Mubarak, em maca e enjaulado.
Se, como alternativa, o problema do julgamento de Gadafi passasse para uma instância da justiça internacional, então o cenário ficaria ainda mais complexo, pois praticamente não há precedentes comparáveis. Aproveitar os precedentes dos culpáveis pelo genocídio nas guerras da antiga Iugoslávia daria nova força ao sistema judiciário de Haia, mas as dimensões descomunais do longo regime líbio ultrapassam os modestos ensaios nos casos dos responsáveis sérvios pelas matanças na Bósnia. Não está claro se essa opção é a que mais conviria aos Estados Unidos no caso líbio, embora fosse a mais justa aparentemente.
Optar por uma solução “pan-árabe”, além do contexto puramente líbio, abriria duas frentes novas nas quais cada um dos atores trataria de obter benefícios. Porém, essa aposta poderia resultar delicada tanto para os novos regimes saídos da “primavera árabe”, quanto para os sistemas autocráticos de diversos graus da Arábia Saudita ao Marrocos. O nervosismo maior já se deve notar na Síria, onde as semelhanças com o caso líbio são intrigantes. Daí que a “solução final” da morte dos ditadores, seja fugindo ou combatendo, é a mais desejada.
Qualquer que fosse a opção escolhida para julgar e condenar Gadafi, e os que os seguiam, o verdadeiro desafio ainda cabe aos novos responsáveis líbios, sem líderes identificáveis (como, lamentavelmente, é o caso egípcio). Uma ditadura tão longa, de quatro décadas, mantida pela corrupção e divisão de favores, é muito difícil de fazer desaparecer sob o tapete mediante uma limpeza limitada ao desaparecimento de Gadafi. Dos chefetes de tribos aos empresários que dividiam os lucros dos recursos naturais, e até os componentes das forças de segurança que constituíram uma espécie de SS que garantiu a sobrevivência do regime, há muitos responsáveis que não podem ficar livres pela simples morte do líder.
Finalmente, é preciso meditar nesta ocasião, como nas outras (Tunísia, Egito) sobre a também longa, sistemática e contraditória conivência de numerosos governos ocidentais e notáveis interesses econômicos com a ditadura líbia. Desde a vergonhosa recepção a Gadafi na Europa, alojado em sua tenda imperial e acompanhado por mulheres guarda-costas, até as visitas frequentes a Trípoli, o legado europeu deixa mais a desejar. Resta agora a oportunidade da redenção mediante a reconstrução e o apoio à democracia. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).