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Sete bilhões de paradoxos

Uma menina carrega um bebê em uma aldeia da República Democrática do Congo. Foto: UN Photo/Martine Perret

Nações Unidas, 28/10/2011 – Quando Adnan Nevic nasceu, em junho de 1999 na Bósnia-Herzegovina, recebeu as boas-vindas como o “bebê seis bilhões” e mereceu uma visita do então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan. Para o dia 31 deste mês, o fórum mundial prevê que nascerá a pessoa número sete bilhões em um planeta superpovoado.

A julgar pelas tendências demográficas, a menina ou o menino que levar a população mundial a ultrapassar a marca dos sete bilhões de seres humanos nascerá na África ou na Ásia. No entanto, a ONU não está disposta a pôr a mão no fogo prevendo o continente e, menos ainda, identificando o suposto recém-nascido, como aconteceu com Nevic.

Diante do pedido de mais dados sobre esse nascimento, o porta-voz da ONU, Martin Nesirky, disse à imprensa esta semana que o acontecimento tem mais relação com a população de sete bilhões como um todo e com a forma como o mundo pode recebê-la e permitir que viva com dignidade.

Enquanto o aumento demográfico é medido sobretudo quanto ao seu impacto na segurança alimentar, nos recursos, na saúde reprodutiva, nas migrações internacionais, no desemprego e na sustentabilidade, o diretor-executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Babatunde Osotimehin, prefere vê-lo de um modo mais positivo.

“Somos sete bilhões de pessoas com sete bilhões de possibilidades”, afirmou Osotimehin no dia 26, por ocasião do lançamento do informe anual do UNFPA, Estado da População Mundial 2011. Então, em lugar de perguntar “somos muitos?” deveríamos perguntar “o que podemos fazer para melhorar nosso mundo?”. O informe indica que a marca de sete bilhões chega com êxitos, retrocessos e paradoxos.

As mulheres, em média, têm menos filhos do que na década de 1960, mas os números de fertilidade continuam em alta. E, de forma global, as pessoas estão mais jovens, e mais velhas, do que nunca, diz o documento, indicando outro paradoxo. “Em alguns dos países mais pobres, a elevada fertilidade freia o desenvolvimento e perpetua a pobreza, enquanto nos mais ricos a baixa fertilidade e a bastante escassa população que entra no mercado de trabalho são problemas crescentes”, afirma o estudo.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, escolheu o mesmo tema quanto afirmou, na semana passada, que o cidadão número sete bilhões nasceria em um mundo de contradições. “Temos alimentos em abundância, mas há milhões de famintos. Vemos luxuosos estilos de vida, e há milhões de empobrecidos. Contamos com grandes oportunidades de progresso, e também com grandes obstáculos”, disse Ban. “Esses são os desafios que devemos e podemos superar. Se investirmos nas pessoas colheremos os melhores dividendos”, acrescentou.

Entretanto, a comunidade internacional está fazendo os investimentos corretos, por exemplo, na educação e na saúde reprodutiva? A trágica resposta é não, afirma Barbara Crossette, autora principal do informe do UNFPA e ex-chefe dos correspondentes do jornal The New York Time na ONU.

“A questão não é se o mundo segue para uma quantidade populacional insustentável, mas por que mais de 17 anos depois da Conferência sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, em 1994, suas promessas não beneficiaram as mulheres em alguns dos lugares mais pobres, onde nascerá a maior parte da população deste século”, ressaltou Crossette à IPS.

Essas mulheres, que sabem como as afeta pessoalmente ter muitos filhos, como lhes é difícil educá-los e alimentá-los e conseguir água e comida, não têm as opções que têm as que vivem em países mais ricos, disse Crossette. “Estima-se que mais de 215 milhões de mulheres querem ter acesso ao planejamento familiar e maior controle sobre suas vidas reprodutivas e sua saúde. Centenas de milhares morrem por causas ligadas à gravidez e ao parto, que são completamente evitáveis, mas não têm acesso a anticoncepcionais por diversas razões”, acrescentou.

Crossette realizou toda a reportagem para o informe viajando para China, Índia, Egito, Etiópia, Nigéria, México, Macedônia e Finlândia. Se forem mantidas as tendências de natalidade, a humanidade somará mais de nove bilhões de habitantes antes de 2050 e passará dos dez bilhões no final do século, segundo estimativas da ONU.

“No transcurso da minha vida vi triplicar a população mundial. E dentro de 13 anos verei mais um bilhão”, disse Osotimehin, ex-ministro da Saúde da Nigéria. Para criar um mundo sustentável e pacífico “devemos investir com sabedoria”, acrescentou. “Mediante investimentos em saúde, educação e mudança para uma economia verde podemos melhorar o bem-estar humano e nosso planeta. quando as vidas melhoram, a tendência demográfica ascendente se atenua”, destacou.

Perguntada se a ONU está no rumo certo, Crossette disse à IPS que, “institucionalmente, as Nações Unidas e suas agências relevantes agiram bem com suas análises e recomendações”. Contudo, os países-membros e os governos nem sempre converteram essas ideias em ação”, acrescentou. “A interação entre população e desenvolvimento no mais amplo sentido e em muitas facetas deve ser considerada urgentemente, sobretudo com relação às mulheres e ao lugar que ocupam em cada aspecto da sociedade”, afirmou a jornalista.

Em viagens pelo mundo este ano, “conheci mulheres que ainda desejam uma família numerosa, ou que são convencidas a ter mais filhos por seus companheiros, pela cultura ou pressões familiares”, explicou Crossette. “Também conheci muitas outras que dizem que dois, três ou quatro filhos teria sido o ideal, quando elas têm cinco, seis ou mais, e choram porque as vidas de suas filhas não serão diferentes de suas penúrias cotidianas”, ressaltou.

Se dermos a uma geração de mulheres em todo o mundo a atenção que lhes prometemos na Conferência do Cairo e os instrumentos que necessitam para exercer seus direitos e opções e elas reduzirão a natalidade por suas próprias razões, não pelas metas nem necessidades demográficas nacionais, que o mundo deixou de lado há décadas, afirmou a jornalista.

Inclusive a China está reconsiderando sua política de filho único, segundo Crossette, à vista de que, quando as mulheres têm uma boa atenção em saúde reprodutiva, oportunidade para se educar e tempo para assumir atividades econômicas que beneficiam suas famílias e comunidades, a natalidade cai rapidamente e sem a coerção do controle da natalidade.

Taiwan conseguiu baixar a natalidade mais do que a China e mais rapidamente sem lançar mão de medidas coercitivas, tal como muitas outras nações asiáticas que aplicaram programas de planejamento familiar amigáveis e de sucesso.

Segundo Crossette, o crescimento econômico está antes e depois dessas mudanças. Ouvir as mulheres, ajudá-las, deveria ser a grande prioridade dos próximos anos, e é preciso começar já. Elas são a chave para estabilizar a demografia humana, por seu próprio e pessoal interesse. Envolverde/IPS