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Unesco, novo campo de batalha da Palestina

La atual Conferência Geral da Unesco é presidida pela húngara Katalin Bogyay. Foto: Unesco/S.Cadel

Paris, França, 28/10/2011 – A tentativa da Palestina de incorporar-se como membro pleno à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) deixou tenso o ambiente em sua sede, na capital francesa, diante da ameaça dos Estados Unidos de reduzir sua contribuição se o pedido for aprovado. Os delegados presentes à 36ª reunião da Conferência Geral da Unesco, que começou no dia 25 em Paris, estão submetidos a condições de segurança máxima. Também foi limitado o acesso da imprensa com o argumento de que os 193 Estados-membros discutirão sobre um “assunto delicado”.

A representação da Palestina, que até agora participa como membro observador, afirmou no dia 26 estar decidida a não abandonar sua intenção e declarou que se sente otimista sobre o resultado da votação. “Creio que teremos o voto favorável”, disse Ismail Tellawi, secretário-geral da Comissão Nacional da Unesco dos Territórios Palestinos. “Não discutimos questões políticas. Trata-se de proteger nosso patrimônio cultural. O povo palestino necessita dessa proteção”, afirmou à IPS. “Creio que até mesmo Israel dirá sim”, acrescentou, logo esclarecendo que se tratava de “uma brincadeira”.

A delegação que certamente votará contra é a dos Estados Unidos, pressionada por seus próprios parlamentares pró-israelenses e pelo governo de Israel. Washington e outros três membros rejeitaram o pedido palestino no começo deste mês, no Conselho Executivo da Unesco, de 58 membros. O Conselho e a Conferência Geral são os órgãos de governo da Unesco e os que decidem a entrada de novos membros. O primeiro aprovou o pedido palestino por 40 votos contra 4 e 14 abstenções, apesar do descontentamento dos Estados Unidos. “É uma lástima a atitude de Washington na Unesco”, protestou Tellawi à IPS.

“Ameaça deixar de ajudar a Palestina e abandonar a Unesco. É uma atitude negativa. Por que os Estados Unidos estão contra nós? Por que?”, insistiu Tellawi. A resposta poderá ser dada no dia 30, quando a Palestina apresentar a questão na Conferência Geral, cuja reunião terminará em 10 de novembro. Sua delegação pediu para o chanceler, Riyad al-Malik, dirigir-se à assembleia.

No entanto, ainda há certa confusão sobre a quantidade de votos necessária para aprovar o ingresso pleno. O representante palestino disse que é “50% mais um”, mas o porta-voz da Unesco disse à IPS que são necessários dois terços dos membros. Os delegados entrevistados disseram prever que todos os países árabes e a maioria dos africanos e asiáticos votarão a favor e que, na soma, cem países parecem tomar essa direção. Também preveem várias abstenções.

O embaixador dos Estados Unidos na Unesco, David Killion, disse que a incorporação da Palestina com todos os direitos é “prematura”. Porém, ao contrário do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), esse país não tem direito a veto nesta Conferência Geral. Paralelamente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas continua analisando o pedido apresentado em setembro pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, para integrar a ONU com mais um Estado.

Entretanto, Washington quer que se chegue a um acordo de paz com Israel antes de se constituir em um Estado soberano e assim integrar as Nações Unidas. Washington ameaçou reduzir fundos para a Unesco e até se retirar dessa agência, se a Palestina for admitida. A contribuição dos Estados Unidos representa 22% de seu orçamento, segundo funcionários.

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, pediu à Unesco que reconsidere sua decisão. De fato, em maio visitou a sede da organização, sendo a primeira vez que o responsável pelas Relações Exteriores desse país o fazia. Então, pareceu que as relações seguiam em bom caminho. Caso se concretize a ameaça, não seria a primeira vez que os Estados Unidos tomariam tal decisão. Já haviam se retirado em 1984, devido ao que consideraram ataques ideológicos contra o Ocidente, reintegrando-se em 2003. Na época, sua contribuição financeira foi coberta por outros países.

Por seu lado, os palestinos dizem estar cansados de esperar serem reconhecidos como Estado soberano. “Somos observadores na ONU desde 1974. Já foi suficiente”, disse um integrante da Comissão Nacional da Palestina para a Unesco. “Quando os Estados Unidos estiveram fora, a organizações não tiveram problemas para continuar funcionando”, acrescentou.

Após a votação no Conselho Executivo da Unesco, o chanceler de Israel, Avigdor Lieberman, declarou que integrar a agência não ajudará nos propósitos palestinos de serem reconhecidos como Estado independente e que essa atitude é uma “rejeição” à via de negociação para alcançar um acordo de paz. Israel foi implicitamente questionado pela Federação Europeia de Jornalistas, em meados deste mês. Esta organização disse que houve ameaças contra o canal público francês France 2 “por um programa dedicado à possível criação do Estado palestino”.

“Condenamos todas as formas de ameaças contra jornalistas que fazem seu trabalho, especialmente em um assunto politicamente sensível como as relações palestino-israelenses”, disse a jornalista brasileira Beth Costa, secretária-geral da Federação Internacional de Jornalistas, que compreende a Federação Europeia de Jornalistas. O programa “Um oeil sur la planète (Um olhar sobre o planeta), divulgado no dia 3 dedicado ao assunto “É possível um Estado palestino?”, motivou “uma reação particularmente hostil de alguns telespectadores, inclusive ataques verbais contra os apresentadores”, disse a organização.

A imprensa francesa denunciou que o Conselho Representativo de Instituições Judias da França e a embaixada de Israel solicitaram uma reunião com o presidente da France Televisions, Rémy Pflimlin, para discutirem o caso. “Não fazemos política, mas jornalismo. Não cabe a nenhuma organização comunitária nem embaixada interferir em assuntos editoriais sobre programas da televisão pública apenas por discordarem de seu conteúdo”, disse Beth Costa. Com o voto na Unesco é de se esperar que aumente o desacordo. Envolverde/IPS