Assunção, Paraguai, 31/10/2011 – Os meios de comunicação públicos crescem na América Latina com novos conceitos, acentuando sua independência do Estado e do setor privado, afirmaram jornalistas, acadêmicos e funcionários reunidos na capital Paraguai. “A comunicação pública e do governo precisam ir por linhas separadas”, destacou o ministro da Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, ao falar no Seminário Internacional “Mídia Pública e Sociedade: a Experiência Global e o Caminho Latino-Americano”, realizado no dia 26. Autonomia, compromisso com a cidadania e “ouvir todos os setores” são condições necessárias para a primeira, disse Santos.
O Paraguai, que recebeu o seminário no contexto da XXI Cúpula Ibero-Americana, realizada nos dias 28 e 29, em Assunção, inaugurou em agosto sua primeira rede pública de televisão, ainda com transmissões experimentais. Já no Equador os meios de comunicação públicos registraram um rápido avanço impulsionado pela Constituição aprovada em 2008, que gerou “a disputa do relato” com grupos privados que dominavam a comunicação social no país, segundo o subdiretor do jornal equatoriano El Telégrafo, Orlando Pérez. El Telégrafo, Equador TV e Rádio Pública logo aderiram à carta magna que, entre outras regras, impede a aquisição de veículos pelos banqueiros, que antes controlavam boa parte do setor, destacou.
Depois, “diversificaram-se as vozes e os conteúdos. As 14 nações indígenas existentes no Equador conquistaram suas frequências de rádio, inauguraram transmissões em suas próprias línguas e formaram jornalistas”, disse Pérez. Os meios de comunicação públicos de alcance nacional e as rádios comunitárias, às quais se somaram “tribos juvenis urbanas”, despertaram “uma reação sem precedentes” dos grupos privados tradicionais, que perderam participação no “mix de publicidade” e na audiência, ressaltou. Pérez acrescentou que a circulação do El Telégrafo foi boicotada pelo setor privado, com exemplares retirados das bancas.
O Peru, por outro lado, chega com atraso ao movimento que vive a América Latina desde a década passada. Seus meios de comunicação foram “desmantelados, reduzidos a nada” pelo segundo governo de Alan García (2006-2011) e agora busca reconstruí-los com uma visão pública e de inclusão social, informou a atual diretora de Comunicação, Blanca Rosales. “Meu escritório tinha apenas duas pessoas”, e eram administrativas. A Rádio Nacional não cobria nem mesmo a capital Lima e a emissora de TV sobrevivia com um orçamento insignificante, disse Rosales. Espera-se que a situação mude com a chegada ao poder do esquerdista Ollanta Humala, que “não era o favorito dos meios de comunicação privados”, recordou.
No Brasil já havia vários veículos estatais, incluindo 22 emissoras de televisão estaduais, nove rádios e a TV Brasil. Após um longo processo de debates, em 2007 foi criada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) para administrar a mídia pública. Por outro lado, existe a NBR, emissora de televisão claramente estatal, que informa sobre as políticas do governo. Porém, as duas últimas administrações, embora muito populares, nada puderam fazer para mudar as comunicações no Brasil, dominadas por grupos privados, devido à “correlação de forças” e ao escasso apoio social para implantar, por exemplo, algum sistema de regulação das emissoras de TV, admitiu Carlos Tibúrcio, assessor da Presidência.
“A sociedade brasileira discute pouco sobre os meios de comunicação” e os empresários do setor reagem a qualquer proposta de regulação ou alteração, como se violassem seus “direitos adquiridos”, explicou Tibúrcio. Contudo, pedem intervenção estatal agora que as operadoras telefônicas pretendem entrar na produção de conteúdo para televisão, acrescentou. Tibúrcio afirmou que a mídia pública deveria receber mais recursos das autoridades. Diante “do poder concentrado dos meios de comunicação privados”, o Estado tem de “tratar de forma desigual” os diferentes sistemas para estabelecer algum equilíbrio, afirmou.
Os recursos financeiros têm que vir do orçamento nacional, isto é, dos impostos pagos pela população, afirmou, por sua vez, Ivanir Bortot, editor-chefe da Agência Brasil, administrada pela EBC. A TV Brasil nasceu com vocação também internacional: seu sinal chega a 69 países. Porém, não alcança todo o território nacional, como locais isolados e pouco povoados que jamais interessariam aos meios de comunicação privados.
Chegar a todo o país é uma das três condições que, segundo o especialista argentino Martin Becerra, compõem o caráter público de uma mídia. As outras são a participação social no controle e na programação, e uma sustentabilidade que garanta sua permanência, ao contrário de órgãos estatais que podem desaparecer quando muda o governo.
Fazer-se público é um processo, exige capacitação dos jornalistas e condições de “independência e pluralidade”, dois conceitos repetidos por diferentes oradores no seminário promovido pela Secretaria de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento, do governo paraguaio, junto com o Banco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a agência Inter Press Service (IPS).
Como modelos de televisão pública de outros continentes apresentaram-se a NHK, do Japão, a britânica BBC e a Televisão Espanhola (TVE), campeã de audiência em seu país. Outros veículos internacionais, com Telesur, fundado em 2005 por Venezuela, Argentina, Cuba e Uruguai, apresentaram-se como exemplos no seminário de Assunção, que continuou o debate iniciado em um encontro em junho em Montevidéu.
Nove agências nacionais, incluindo a Venezuelana de Notícias (AVN), a cubana Prensa Latina e a Notimex, formaram em junho a União Latino-Americana de Agências de Notícias (Ulan), buscando sinergia para se fortalecer no campo jornalístico, destacou Daniel Giarone, gerente de Desenvolvimento Internacional da argentina Telam. Também foi destacado o papel exercido pelas rádios públicas e comunitárias, como a Paraguai Rádio Viva e a boliviana Rádio Pio 12, além de iniciativas como a Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias. Envolverde/IPS