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A UE larga a mão de países do Sul

Bruxelas, Bélgica, 3/11/2011 – A nova política da União Europeia (UE) de apoio ao mundo em desenvolvimento, detalhada na “Agenda para a Mudança”, pode privar muitos países, especialmente os de renda média, de uma assistência econômica ainda essencial para muitos deles, alertam organizações não governamentais. Os ativistas da sociedade civil também criticam o papel do setor privado na futura política do bloco, divulgada por seu órgão executivo, a Comissão Europeia.

A UE é o maior doador mundial para o desenvolvimento, com orçamento anual de 53,8 bilhões de euros (US$ 75,3 bilhões), dos quais 11 bilhões são geridos pela Comissão por si só. Como forma de aumentar a efetividade da ajuda, a Comissão organizou várias rodadas de consultas com representantes de governos, atores privados e organizações não governamentais, este ano, após as quais elaborou a “Agenda para a Mudança”, divulgada dia 13 de outubro.

O documento foi discutido seis dias depois, quando o comissário para o Desenvolvimento, Andris Pielbags, destacou o compromisso da Comissão Europeia de se concentrar em um “crescimento sustentável e inclusivo”, que contempla o apoio à boa governança, o respeito aos direitos humanos e à democracia, a igualdade de gênero, o papel da sociedade civil e a luta contra a corrupção.

A agenda também prioriza a proteção social, da saúde e da educação, o apoio a um ambiente empresarial favorável, à agricultura sustentável e à energia limpa. As grandes organizações não governamentais internacionais saudaram o interesse da Comissão por essas áreas, especialmente seu compromisso para combater a corrupção e investir em agricultura, mas questionaram a importância dada ao crescimento econômico.

“Basicamente, a Comissão Europeia afirma que o crescimento econômico é uma forma de reduzir a pobreza”, disse à IPS a especialista em políticas europeias de desenvolvimento da organização ActionAid, Laura Sullivan. “Concordamos que o crescimento é uma condição necessária para reduzir a pobreza, mas não é a única”, afirmou. “Por exemplo, a Nigéria tem um crescimento que somente em sonhos a Europa poderia alcançar. E também tem um dos maiores índices de pobreza do mundo devido à enorme desigualdade social. É claro que esse crescimento econômico não chega aos mais pobres”, acrescentou.

Os países de renda média, segundo os indicadores de desenvolvimento do Banco Mundial, receberão o impacto da nova política da União Europeia. Entre eles se concentra quase metade da população do planeta. “A lista de Estados de renda média inclui países emergentes como Índia e China, mas também Senegal, Congo, Zâmbia, Gana e Namíbia”, afirmou Sullivan. “É importante considerar que 75% das pessoas mais pobres vivem ali. Há o risco de se cortar a ajuda ao desenvolvimento de Estados que ainda precisam dela”, explicou.

A diretora do escritório da Oxfam na UE, Natalia Alonso, disse à IPS que a “ajuda está destinada a reduzir a pobreza e deve ser dirigida para onde é mais necessária”. Para Alonso, “Os países de renda média estão equipados com estruturas governamentais fortes e é ali onde a assistência é mais efetiva e onde realmente se pode conseguir uma mudança. É muito difícil conseguir isso em países frágeis”.

Segundo a Comissão Europeia, ainda não foi tomada uma decisão definitiva sobre a ajuda aos países de renda média, mas será cortada a assistência oficial ao desenvolvimento para os países que já não precisam dela, confirmou à IPS a porta-voz do comissário Pielbags, Catherine Ray. “Alguns deles são economias emergentes como Brasil, Índia e China, mas isso não significa que acabaremos com todo o apoio que damos. Continuaremos contribuindo para o Fundo Global de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária, bem como com outras iniciativas nesses países”, acrescentou.

“Quanto a outros Estados, estamos estudando quais devem continuar recebendo a assistência oficial ao desenvolvimento e quais receberão outro tipo de fundos, mais específicos”, afirmou Ray. “Naturalmente, consideraremos a desigualdade e o grau de fragilidade de cada um”, ressaltou. Porém, as organizações não estão totalmente convencidas, especialmente pela forte influência do setor privado como ator do desenvolvimento.

“A Comissão quer colocar fundos públicos nas mãos de particulares para gerar mais recursos. Concordamos, enquanto o dinheiro se destinar às pequenas e médias empresas locais. Aí é onde realmente se pode marcar a mudança. Já vimos como o dinheiro dos contribuintes acaba nas mãos de transnacionais estrangeiras por intermédio do Banco Mundial”, acrescentou Ray.

“Se envolvermos o setor privado, este terá o mesmo objetivo que nós, isto é, reduzir a pobreza? Isso não está claro”, disse Natalia Alonso. Mas a porta-voz do comissário de Desenvolvimento afirmou que “se queremos o crescimento, precisamos do setor privado. Não podemos sem ele”.

Para Ray, “o primeiro objetivo do comissário Pielbags é desenvolver o setor privado local”, ressaltando que “as economias da África, América Latina e Ásia crescem. Há vários países que trabalham para eliminar a pobreza, criar empregos e atrair investimentos estrangeiros”. Segundo Ray, “nossa tarefa já não é apenas dar assistência. Queremos ajudar esses países a construírem condições para um crescimento sustentável de longo prazo, que respeite o meio ambiente e com uma justa distribuição da riqueza”. Envolverde/IPS