A mais importante constatação amadurecida no Seminário Educação para o Século 21, realizado em São Paulo na última terça-feira, é que precisamos dar um passo a mais na construção de uma educação pública de qualidade. Temos de continuar lutando para que as crianças e adolescentes sejam devidamente alfabetizados, dominem a escrita, a leitura e o cálculo, algo que ainda estamos longe de conseguir.
Mas temos de ir além, oferecendo já ao aluno um processo educativo que lhe permita desenvolver competências mais amplas, como a autonomia, a criatividade inovadora, a capacidade de trabalhar em equipe, a curiosidade investigativa, entre outras, denominadas academicamente como competências não cognitivas.
Participaram do seminário alguns dos maiores especialistas na ciência do aprendizado e do desenvolvimento humano, como James Heckman, ganhador do Nobel de Economia além de educadores, gestores, organismos multilaterais, organizações que trabalham com escolas e mobilização da sociedade.
Concordamos quanto ao papel duplamente positivo do desenvolvimento das competências não cognitivas na escola.
De um lado, impactam diretamente o desenvolvimento intelectual dos alunos e o seu desempenho; ao mesmo tempo, preparam crianças e adolescentes para lidar com as exigências do mundo do trabalho e da economia global, da participação social nas cidades e nas redes, diante de questões complexas das ciências e do ambiente, da ética, da democracia e da sustentabilidade. Elas sustentam os valores.
Estudos de neurocientistas e economistas demonstram estatisticamente que esse grupo de competências tem o mesmo poder que as competências cognitivas na proficiência dos alunos, medida pelas notas, pela redução do abandono e pela escolaridade final atingida.
Isso se comprova na experiência empírica e em pesquisas do Instituto Ayrton Senna, que hoje atende 2 milhões de alunos da rede pública em 1.300 municípios brasileiros.
As competências não cognitivas têm ainda maior impacto que as cognitivas na determinação do sucesso e dos níveis de bem-estar pessoal e social, tais como medidos pela redução nos níveis de criminalidade e tempo de desemprego, pela maior estabilidade conjugal e familiar, menor incidência de doenças como depressão, obesidade e alcoolismo e por maior longevidade.
Todo educador sabe que o processo educativo requer do aluno autoestima, perseverança e outras capacidades emocionais. O professor busca trabalhar com isso, mas esse esforço ainda não é nomeado e valorizado como tal. Sabemos que o trabalho para desenvolver as competências não cognitivas tem de envolver toda a rede escolar.
O currículo regular deve incorporar conteúdos, práticas de ensino e de gestão para conciliar o aprendizado das disciplinas e a construção de atributos pessoais múltiplos.
A melhor notícia que compartilhamos é que a ciência vem confirmando ser efetiva nessa transformação pessoal. Crianças e adolescentes de famílias desfavorecidas, mais expostas ao fracasso na escola e na vida, podem mudar seu script com um processo educativo consistente ao longo dos ensinos fundamental e médio.
A família e a comunidade são responsáveis, mas sabemos que a escola deve -e pode- ser uma grande força a romper o ciclo intergeracional de pobreza e desesperança.
Nosso seminário faz, portanto, uma convocação para que a escola possa oferecer, como política pública e em larga escala, uma educação que salde as dívidas acumuladas dos séculos 19 e 20 e que, ao mesmo tempo, habilite os alunos a viver plenamente, com valores e competências para fazer frente aos desafios do século 21.
*Viviane Senna é presidente do Instituto Ayrton Senna e coordenadora da equipe técnica do movimento Todos pela Educação.
**publicado originalmente no site EcoD.