A hora e a vez do Brasil ser protagonista

Dal Marcondes.

Rotina é uma palavra riscada há muito tempo da vida do jornalista Adalberto Wodianer Marcondes, ou simplesmente Dal, como gosta de ser chamado. Após cerca de 20 anos nas principais redações de grandes jornais e revistas, ele fundou a Agência Envolverde, em 1995, uma das pioneiras com foco em Meio Ambiente e Terceiro Setor, que edita, no Brasil, o Projeto Terramérica ligado aos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud). Aos 54 anos, com o mesmo entusiasmo que fala para plateias entretidas em seminários nas grandes cidades, Dal também se realiza ao viajar por diferentes regiões para relatar histórias relevantes. “Não há nada mais espetacular que um amanhecer no Rio Tapajós”, diz, ao contar com orgulho estas andanças. Em entrevista à Plurale em revista, o premiado jornalista destaca o avanço ocorrido na mídia ambiental nos últimos 20 anos, o papel relevante do Brasil como protagonista na Rio+20 (que será realizada em 2012), e avalia ainda os desafios da transição do velho para o novo modelo econômico. “O Brasil é o país onde o velho e o novo já estão convivendo de forma muito avançada.” O diretor da Envolverde destaca ainda a relevância da realização, em novembro, no Rio, do IV Congresso de Jornalismo Ambiental e ressalta o importante papel dos líderes sustentáveis. Confira esta entrevista.

Plurale em revista – Qual a sua avaliação do jornalismo ambiental brasileiro hoje e há 20 anos, quando foi realizada a Eco-92? Houve avanços, quais são os desafios?

Dal Marcondes – Em 1992, praticamente não havia um movimento a favor do jornalismo ambiental no Brasil. Alguns grandes jornais já tinham profissionais ou editorias dedicadas ao tema, como a falecida Gazeta Mercantil, mas as coberturas eram muito fracas se comparadas às de hoje. Mesmo a oportunidade fantástica oferecida pela Rio-92 acabou sendo ofuscada na mídia pelo processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Mas, sem dúvida, a Rio-92 contribuiu para incluir definitivamente a questão ambiental na pauta. Outro legado da Cúpula do Rio foi o crescimento do interesse pelo tema por parte de alguns profissionais, o que levou a se criar muitos veículos que se especializaram no tema. Hoje temos centenas de jornais, revistas, sites, programas de rádio e TV dedicados ao meio ambiente, que surgiram de sementes da Rio-92.

Plurale – Que lições podem ser tiradas 20 anos depois?

Dal – Foram 20 anos de muitos avanços. O tema meio ambiente deixou o nicho da militância e se espalhou pela sociedade. Governos, empresas, universidade e mídia têm hoje muito mais intimidade com o assunto do que antes. Também houve avanços importantes na construção, fortalecimento e difusão dos conceitos ambientais e de sustentabilidade que antes eram dominados apenas por “especialistas”. Temos mais acesso à informação socioambiental e mais conhecimento público sobre o assunto. Ainda há muito a se fazer, mas, sem dúvida, devemos muito aos últimos 20 anos.

Plurale – A mídia generalista também “mergulhou” neste tema, principalmente nos últimos anos. Na sua opinião, os resultados, em geral, são bons?

Dal – Quanto mais gente falando do tema, melhor. Ainda há problemas de compreensão por parte de jornalistas e editores que não estão muito familiarizados com os conceitos das questões ambientais. Alguns ainda se agarram a preconceitos e cumprem um papel de desinformantes, mas estão cada vez mais raros. De maneira geral, a entrada da grande imprensa no tema ambiental é bem-vinda e ajuda a estimular transformações mais rápidas no universo social e no campo da economia.

Plurale – A Envolverde, Rebia, Plurale e outros veículos estão trabalhando na organização do IV Congresso de Jornalismo Ambiental, no Rio, em novembro. Qual é o objetivo deste encontro?

Dal – Os jornalistas ambientais brasileiros estão reunidos em uma rede desde o final dos anos 1990. É uma rede que ajuda na apuração de informações, trocas de pautas e consolidação de conhecimentos, além de buscar novas fontes, é claro. Esse Congresso, que é o quarto a ser realizado desde 2005, quando fizemos o primeiro, em Santos (SP), tem como objetivo debater a cobertura ambiental da mídia, estreitar as relações entre os membros da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, além de avançar na construção de conhecimentos necessários para a cobertura ambiental. Este ano teremos a palestra de abertura feita pelo economista Ignacy Sachs, uma das mentes mais brilhantes do nosso tempo. Também vamos ter debates sobre temas que vão desde a construção de conhecimentos por meio das redes sociais, como cidades sustentáveis, que, afinal, são os principais habitats humanos.

Plurale – Como viabilizar a mídia ambiental do ponto de vista de negócio?

Dal – Mídias ambientais, aquelas que têm como pauta principal os temas relacionados ao meio ambiente e às questões socioambientais, são veículos que acima de tudo praticam o jornalismo. Mas, ao contrário de outras mídias especializadas, não estão vinculadas a setores econômicos que os alimentam com os recursos necessários para a sobrevivência. Construir e manter um equilíbrio econômico financeiro nas empresas que publicam essas mídias sempre foi um grande desafio. O mercado publicitário, responsável por irrigar os veículos com recursos, não é muito inovador. Pelo contrário, assume na maioria das vezes uma posição muito conservadora. Empresas que estão avançando rápido no cenário da sustentabilidade na gestão de seus negócios ainda não compreendem que são, também, responsáveis pela informação que financiam para a sociedade por meio do dinheiro pago para anunciar seus produtos e serviços. O grande desafio para as mídias ambientais é o de trabalhar de maneira profissional para disputar verbas com todas as outras.

Plurale – Com o atual modelo exaurido, a crise econômica global abre espaço para acelerar ou não a migração para a economia de baixo carbono?

Dal – Sim, as novas empresas, os novos negócios e os novos governantes estão surgindo já com uma reflexão em direção a um modelo diferente. Não, os velhos modelos políticos e econômicos têm uma resiliência difícil de vencer. No entanto, a boa notícia é que os dois modelos vão conviver por algum tempo e assim que a nova economia mostrar seu valor o velho tende a abandonar a cena.

Plurale – Qual é o papel do Brasil neste contexto?

Dal – O Brasil é o país onde o velho e o novo já estão convivendo de forma muito avançada. Temos a matriz energética limpa e o desafio de explorar o pré-sal. Temos a maior floresta tropical do mundo e os maiores índices globais de desmatamento e degradação ambiental, inclusive nos cenários urbanos. Temos empresas altamente inovadoras, capazes de tratar temas na fronteira do conhecimento em quase todas as áreas, e temos um dos maiores índices de desigualdade do mundo. É um país de muitos contrastes. Mas é um país dinâmico, onde o novo quase sempre se impõe, e desta vez não será diferente.

Plurale – A Rio+20 está chegando. Qual deve ser a atuação do Brasil? De protagonista?

Dal – Como anfitrião, o Brasil tem a missão de ajudar a construir os consensos necessários para as negociações avançarem. O sistema ONU só decide por consenso, é preciso que os líderes de todos os países concordem para que compromissos sejam assumidos. O Brasil tem esse papel superrelevante nessa conferência. Esse protagonismo será fundamental e, para isso, vamos contar com o profissionalismo da equipe do Itamaraty, que sempre foi muito respeitada pela diplomacia internacional. Sob o ponto de vista da sociedade, os brasileiros estão bastante estimulados e muitas organizações sociais estão se mobilizando para levar demandas para o Rio. Será, sem dúvida, uma conferência de contrastes, onde pela primeira vez os países mais ricos não serão os principais protagonistas, mas espectadores de um show de inovações vindo principalmente dos países intermediários, também chamados de “emergentes”.

Plurale – A sustentabilidade para muitas empresas brasileiras começou na forma de greenwashing e marketing vazio. Este cenário mudou para melhor, na sua avaliação?

Dal – Sim e não. Há muitas empresas que avançaram muito na transformação de seus produtos, serviços e processos. Empresas que perceberam que a sustentabilidade não é um modismo, mas uma maneira de ser, de viver. Estas estão investindo forte em pesquisas, desenvolvimento de produtos e buscando eficiência no uso de energia, água e matérias-primas em geral. Na maioria das vezes com benefícios bastante tangíveis. Mas ainda há aquelas que acreditam que podem burlar as pessoas e seus clientes. Em tempos de mídias sociais, isto está cada vez mais difícil. Hoje é muito difícil guardar um segredo. Afinal, empresas vivem mais de marca e reputação do que de produtos. Estes podem mudar, mas uma boa marca é sempre valiosa.

Plurale – Quais são os desafios dos líderes sustentáveis?

Dal – A liderança para a sustentabilidade deve ser baseada em confiança e conhecimento, em ética e inovação, em planejamento e valor. Um líder sustentável sabe ouvir e assumir responsabilidades por sua equipe. Conquistar espaços e admitir que ainda não sabe exatamente como chegar lá, pois assim terá ajuda para ir mais longe.

* Publicado originalmente pela Plurale e retirado do site do IV Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental.