Existe apenas um consenso entre os que discutem a nova distribuição dos royalties do petróleo, um assunto que deveria estar dominando as manchetes, mas continua como uma batalha silenciosa travada apenas no âmbito do Congresso.
O consenso é que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, extrapolou ao afirmar que a presidenta Dilma Roussef não obteria um voto sequer no estado se deixasse o Senado aprovar o texto da emenda Ibsen Pinheiro.
Primeiro porque colocou Dilma no canto e a presidenta já mostrou em diversas oportunidades não gostar de ficar nessa situação. Segundo, ao ameaçar a mandatária, Cabral estaria sinalizando que já perdeu a guerra.
Todos os envolvidos nesse embate vinham mantendo até agora um tom conciliador, a não ser que Cabral tenha decidido imitar o velho leão dos filmes da MGM: aquele que dá dois urros e desaparece.
É possível, mas não parece ser o caso. O governador está preparando uma grande manifestação popular para a próxima quinta-feira 10 em defesa dos interesses do Rio de Janeiro na repartição dos royalties.
No entanto, nos últimos dias Cabral diminuiu o tom. Disse apenas não acreditar que Dilma punisse o estado do Rio e os demais estados produtores (leia-se Espírito Santo), obrigando-os a rever contratos já assinados.
No caso, Cabral tergiversou. É público e notório que Dilma não vai alterar contratos firmados mesmo com a aprovação da nova lei dos royalties e da partilha do petróleo. Vale o que está escrito, até porque esse é o interesse da Petrobras que tem inúmeras parcerias, inclusive com petroleiras multinacionais.
Em questão está um possível futuro, de 2020 para frente, quando a receita dos royalties do recém-descoberto pré-sal poderão (ou não) mudar o perfil do Brasil, se forem bem utilizadas.
Segundo projeções, com o pré-sal o Brasil será o quinto maior produtor do mundo. Sendo assim, ficará difícil explicar as tantas diferenças de renda e tamanhas disparidades regionais do País. No entanto, o pessoal do lado dos “produtores” acha esse tipo de previsão otimista demais.
Quanto aos urros de Cabral, é bom lembrar que o próximo ano é eleitoral e 2014 está aí. Há vários anos o PMDB vem dizendo que terá um candidato competitivo à presidência da República. Porque não Sergio Cabral? Ele foi o único a ter coragem de entrar na jaula e desafiar a fera.
O silêncio em torno do assunto, mesmo entre os parlamentares, deve-se muito, também, ao fato de que no próximo ano teremos eleições municipais. Deputados e senadores, em geral, tentam passar ao largo quando se trata de definir uma posição num tema delicado. Para fechar acordos inconvenientes do ponto de vista eleitoral esperam sempre o último minuto da prorrogação. E muitas vezes essa demora é apenas para chantagear o governo em outras oportunidades, como acontece agora com a votação da DRU (Desvinculação dos Recursos da União).
Não estamos também acostumados a lidar com os milhões de dólares ou reais quando se trata de petróleo, especialmente agora. Com a entrada em cena do pré-sal, essas cifras estão assumindo proporções gigantescas, até assustadoras. Imaginaram uma Dubai na Barra da Tijuca?
A geografia política do Oriente Médio foi traçada com régua e compasso para a defesa dos interesses das grandes empresas britânicas de petróleo. O Iraque, por exemplo, foi inventado pelos ingleses. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes eram um areal abandonado até surgir o petróleo, os modernos sheiks “biliardários” e seus sócios, as petroleiras. É uma tradição… Ou seria uma espécie de maldição?
Petróleo é assim. Sempre conectado com a política, provocando grandes conflitos. O Brasil produzia pouco e importava muito, vivia à margem dessas confusões. Os preços oscilavam, mas o produto, no máximo, mexia com a inflação. Até que surgiu o pré-sal.
Queda de braço
Em 20 de outubro, o site do Congresso em Foco já detectava a “guerra de secessão”: o País está dividido em torno do petróleo. As consequências desse movimento são ainda imprevisíveis, acrescentava.
Pois continuam assim. Os estados “não produtores” ganharam o primeiro round no Senado, mas a briga está longe de terminar. Os “produtores” prometem ir à Justiça, e a disputa pode acabar por contaminar outras votações no Congresso.
E os prefeitos, que seriam os maiores beneficiados com o projeto Ibsen, vetado por Lula, passam a ser os maiores prejudicados? Esses sequer foram consultados.
Por enquanto não passa de ficção, mas pode-se imaginar o impacto de uma marcha de 4 mil ou mais prefeitos até Brasília para pressionar o Congresso. Não resta dúvida que daria uma baita confusão. Tanto que o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia, usando poderes que lhe são conferidos pelo Regimento Interno, resolveu criar uma Comissão Especial para debater o tema.
Maia diz que neste momento radicalizar posições só complicaria. Ele aguarda agora a escolha dos deputados pelos partidos para a Comissão, que deve ser proporcional às bancadas. Até quinta-feira 3, a Comissão Especial ainda não tinha presidente ou relator. Mas já se adiantava que se o presidente for da linha dos “não produtores”, o relator deverá ser alinhado aos “produtores”.
O relator do projeto no Senado, Vital do Rêgo, já conversou com o presidente da Câmara e pediu para acelerar o processo. Rêgo teme o que chama de pressões externas – a marcha dos prefeitos – ou as manifestações articuladas pelo Rio de Janeiro. Aqui é importante esclarecer que cerca de 90% do petróleo nacional provêm, hoje, das águas profundas do produtivo litoral fluminense.
Prejuízos?
Uma das teses defendidas por Cabral é a de que a renda per capita do estado está na média nacional. Mais do que isso, o Rio de Janeiro tem a pior receita de evolução real do ICMS. Entre 1996 e 2010, enquanto a produção física da indústria de transformação cresceu em São Paulo, Minas Gerais e Brasil, respectivamente, 42%, 41%, e 36%, no estado esse índice foi de apenas 1%.
Esvaziado paulatinamente desde a transferência da capital para Brasília, entre 1995 e 2009 o emprego no Rio cresceu somente 43% contra uma taxa nacional de 73,5 %. Na Região Norte, a alta chegou a 145%, no Nordeste, 93%, no Sudeste (influenciado pelos baixos índices do Rio) 59%, no Sul, 73%, e no Centro Oeste, bateu os 110% no período.
O comércio varejista, mais precisamente no desempenho dos supermercados, é outro índice impressionante. Enquanto cresciam 48% no Brasil, 55 % em São Paulo, 60% em Minas, e por aí, no estado do Rio o avanço ficou em esquálidos 18%.
Técnicos da atual gestão do governo fluminense foram obrigados a fazer uma reestruturação da área fazendária, degradada desde 1995. Isso explicaria, por exemplo, porque o ICMS entre 1999 e 2006 teve aumentos percentuais igualmente baixos.
Enquanto na media nacional o ICMS tinha alta de 32%, 50% no Centro-Oeste e 66% no Espírito Santo, no Rio de Janeiro o crescimento registrado era de apenas 7%. Ou seja, o estado passou a se aproximar da trajetória nacional somente em um período recente, coincidindo com os governos Lula.
Deveríamos ainda levar em conta que mesmo somando os royalties e as chamadas “participações especiais”, o Rio não tem, em média, uma carga tributária elevada. Ela é inferior a de grande parte dos demais estados brasileiros.
Na avaliação dos representantes dos estados “produtores”, a perda estimada para estes estados com a proposta de Vital do Rego/Wellington Dias é de 3,6 bilhões de reais já no próximo ano. Um exagero?
Pode ser, assim como podem ser exageradas as previsões sobre o dinheiro que o pré-sal vai trazer à tona. Afinal, todas as especulações ainda estão no fundo do mar.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.