Entrevista com Denise Hamú, nova chefe do Pnuma Brasil

Denise Hamú tem histórico de militância ambiental e experiência em articulações com os diversos setores da sociedade. Foto: Divulgação

Ela tem mais de 25 anos de experiência na área de conservação ambiental, dos quais uma década inteira de carreira exercida em plena Amazônia. Formada em relações internacionais e em história pela Universidade de Brasília e mestre em museologia pela George Washington University (EUA), com ênfase em história natural e antropologia cultural, Denise Hamú foi secretária-geral da ONG WWF-Brasil durante oito anos, e assumiu no final de setembro o cargo de coordenadora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) no Brasil.

Nesta entrevista exclusiva ao portal EcoDesenvolvimento.org, concedida por telefone, direto do escritório do Pnuma em Brasília, Hamú destaca os desafios a frente da agência da ONU aqui no país, como as contribuições para a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que será realizada em junho de 2012, além de abordar a importância do Brasil no cenário ambiental mundial e ressaltar a importância da chamada “economia verde”, que segundo ela “não vai acontecer por decreto presidencial”.

EcoD: A senhora afirmou em uma entrevista recente, concedida à Rádio ONU, que o Pnuma Brasil trata a Rio+20 como prioridade. Como a agência trabalha atualmente nesse sentido?

Denise Hamú: Nosso principal objetivo é contribuir para as discussões nacionais que estão acontecendo em todo o Brasil nesses meses que antecedem a Rio+20. Essas discussões cresceram, enormemente, nos últimos dois meses. O Pnuma tem um documento, intitulado Rumo a Uma Economia Verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, sendo que nenhum outro órgão publicou algo tão compreensível sobre este tema. A nossa tarefa é disseminar o conhecimento sobre economia verde, a fim de enfrentarmos melhor os desafios do desenvolvimento sustentável, principalmente em relação a inclusão das pessoas, erradicação da pobreza. Queremos que este debate aconteça.

EcoD: A sua relação com o Achim Steiner, diretor executivo do Pnuma em nível mundial, tem tudo para ser positiva, à medida em que ele é brasileiro, embora tenha cidadania alemã?

Denise Hamú: O Achim Steiner é muito antenado com a nossa realidade. Ele acompanha de perto nossas principais ações, como as discussões sobre a Rio+20 junto ao governo brasileiro. Ele já veio duas vezes ao país neste ano e esteve aqui na última semana, inclusive. É dotado de uma visão estratégica muito grande e que tem levado o Pnuma a refletir sobre como nós podemos gerar os recursos e impactos do nosso trabalho nas linhas prioritárias da agência, com foco na governança internacional, no âmbito da ONU.

EcoD: A economia verde será um dos temas prioritários da Rio+20, o que segundo especialistas também é uma tendência para as próximas décadas. A senhora defendeu recentemente que o setor privado deve mergulhar mais nesse conceito. É por aí mesmo?

Denise Hamú: É por aí. A economia verde não vai acontecer por decreto presidencial. Isso não vai acontecer. O setor econômico, público e privado, é que vai viabilizar esse conceito de baixo carbono e inclusão social. Isso não pode acontecer só por questão de marketing verde, para ajudar na imagem do empresariado. A questão é: muitos dos setores dos quais eles operam poderão estar inviáveis em 30 anos, porque os recursos naturais de que eles necessitam não estarão mais lá. É uma necessidade, portanto.
“Eu desejo que o assunto Rio+20 seja vivido em todo o país. Não esteja só no âmbito de ONU. Podemos provocar toda essa discussão de sustentabilidade no nosso bairro, na sua cidade, junto aos parlamentares, e a mídia tem um grande papel nesse sentido” – Denise Hamú.

EcoD: Muito tem se falado da Rio+20, até em razão de o evento ser realizado aqui no Brasil, duas décadas depois da Eco-92, mas faltam poucas semanas para a COP-17, que será promovida em Durban (África do Sul), e praticamente não se fala no assunto, talvez em razão de um possível descrédito sobre um acordo capaz de renovar o Protocolo de Kyoto. Como o Pnuma Brasil se posiciona a respeito?

Denise Hamú: O Pnuma Brasil não participa diretamente das Convenções do Clima promovidas pela ONU, as COPs, mas participa ativamente no cenário brasileiro, com o apoio técnico, indutor de estudos e auxiliando iniciativas como o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, o nosso IPCC. Estamos interagindo muito mais com os atores brasileiros que formulam posições junto ao Itamaraty e ao Ministério do Meio Ambiente para que o Brasil as leve. Nós publicamos recentemente dois estudos juntamente com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Embaixada Britânica, um que se chama Financiamentos Públicos e Mudanças do Clima e Financiamentos Privados e Mudanças do Clima, que são instrumentos que vão auxiliar as discussões para qualquer COP. Este é um dos principais desafios desta COP-17: de onde virão os novos recursos para viabilizar as atividades necessárias para um possível acordo. Esses estudos ajudam nesse sentido.

EcoD: Recentemente, o Pnuma Brasil acertou um apoio com a Plataforma de Cidades Sustentáveis. Como a senhora vê a importância dessa parceria?

Denise Hamú: Esta iniciativa é muito importante, porque conta com parceiros históricos de luta por um Brasil diferente, como o Instituto Ethos, que há muito tempo mostra que faz as coisas acontecerem. É uma ação muito completa, porque disponibiliza indicadores de avanços, vai identificar casos exemplares, existem compromissos formais, além do que envolve os cidadãos, os políticos, em prol do desenvolvimento sustentável. Vamos identificar os pontos específicos para fornecer o apoio. Temos, por exemplo, especialistas no mundo todo em diversas áreas, como resíduos sólidos, que podem contribuir.

EcoD: De que forma sua experiência à frente da ONG WWF-Brasil pode te auxiliar na sua gestão no Pnuma Brasil?

Denise Hamú: Ao longo da vida, eu penso que nós vamos aumentando as bagagens que vamos trazendo, aprendendo cada vez mais. Minha experiência no WWF-Brasil foi muito importante para que eu pudesse deixar a ONG nessa perspectiva do “poder acontecer”. Porque numa ONG as coisas acontecem em uma velocidade muito maior, você tem mais agilidade para desenvolver suas atividades e, ao mesmo tempo, você vê o quê a mobilização pública pode fazer em torno de qualquer movimento. Eu trago para o Pnuma essa experiência e convicção de que a sociedade brasileira é vibrante. Eu tive durante muito tempo perto dessa sociedade civil e organizada, e vi o quanto ela é carente de iniciativas sérias, mas já optou por ser um país de vanguarda. Agora, não estou completando minha formação, porque isso não acaba nunca, mas estou construindo um mosaico bem rico de experiências em diversos setores. Nesse sentido, o WWF foi muito importante.

EcoD: E como encontrou a estrutura do Pnuma aqui no Brasil?

Denise Hamú: Eu venho de uma organização que pertence a uma rede global, mas éramos brasileiros, com uma estrutura toda aqui no país. No Pnuma nós somos um elo de uma estrutura global, é muito diferente. Eu não preciso ter todos os departamentos no Brasil, porque eu posso acioná-los onde eles estão no mundo todo. Tenho uma perspectiva global para problemas locais. É um trabalho sério, mas nunca podemos nos dar por satisfeitos. O Pnuma não opera com estruturas de países, mas de regiões mundiais, mas o Brasil é tão importante hoje nessa área, que tem um escritório próprio, é uma exceção, mas que desenvolve projetos estruturantes há sete anos. Somos vinculados ao escritório da América Latina e o Caribe, que tem sede no Panamá.

* Publicado originalmente no site EcoD.