Haveria um mundo sem a TIM, sem Unimed, sem bancos, sem ônibus lotado, sem humilhações, sem solidão?

Cinco da tarde, dia difícil, chuva forte, lágrimas. A mulher saíra do trabalho para resolver um problema que já levava quase dois meses. Por uma dessas coisas malucas da vida, um belo dia resolvera passar o celular para linha fixa. “Será melhor, os créditos não acabarão”. Confiou nas promessas da empresa TIM. Era uma boa alma. Confiava em coisas estúpidas demais. Naquele dia tudo conspirara para o que viria. Desde a manhã enfrentara problemas. O chefe fez confusão, o computador estragou, o substituto não tinha os programas, havia uma festa para organizar, as taças não chegavam e quando chegaram tinha de ter pagamento em dinheiro vivo. Não tinha dinheiro, teve de sair feito louco atrás da grana. A ansiedade tomou conta, era meio neurótica.

O celular começou a gritar, com dezenas de torpedos sendo mandados. “Não registramos pagamento. Seu celular vai ser cortado”. Decidiu enfim, ir até a loja. Durante o mês todo tentara os recursos enviados pela TIM. “Olhe no sítio”. Olhou, a página não funcionava. “Vamos mandar o código de barras”. Mandaram, mas o valor da conta aparecia como de um milhão de reais. Foi numa loja da empresa por diversas vezes. “O sistema está fora do ar, senhora”. Era uma piração.

Maldita hora que escolhera aquele dia. Havia uma festa para organizar. Mas achou que teria tempo. Às quatro horas saiu. Florianópolis. Trânsito do cão. Levou uma hora para chegar no “xopin”, onde fica a loja da TIM. Esperou. A moça veio e, num segundo trouxe a conta. “Segunda via, senhora”. Lá foi ela, toda feliz, pagar no banco. Fila monstra. Esperou. Quando fez todos os trâmites, a tela gritou: “data não agendável”. Putz. Não dava para pagar. Volta na loja. “Por que não dão uma segunda via com data de hoje?”. E a moça, com olhar de vaca mansa: “Não podemos alterar nada no sistema, senhora. Mas pode ir numa lotérica”. Ah, tá. Desejo de matar 1245. “Tenho de voltar a tempo da festa. Foda-se a conta. Vou ligar para o chefe”. Plic, plic… Seu telefone está bloqueado. Ah…

A mulher saiu correndo. Chuva torrencial. Ponto do ônibus lotado. O coração acelerou e desacelerou, fez barulho. Era o sinal. O médico havia dito. “Quando acontecer assim, assim, corra para a emergência”. Como é que corre? Não tinha celular, não tinha dinheiro para táxi. Saiu andando. Iria a pé. Não estava tão longe. O coração dando saltos. Chegou à clínica toda molhada. O atendimento foi rápido. Por sorte, tinha um plano de saúde privado. Explicou o problema, e foi medicada. Teria de ficar descansando. “Não dá, tem a festa”. Mas, não teve jeito, ou isso, ou a morte. Ficou.

Oito da noite. O coração voltara ao ritmo. Podia ir. Ainda meio grogue, foi andando até o terminal. “Não podes te estressar”, dissera o médico. Há, há, há. No terminal, as gentes se espremiam. Ônibus lotado até a boca. Engarrafamento até em casa. O remédio para ansiedade fazia efeito. A mulher ria, em pé, com a sacola cheia de livros. Desceu no ponto próximo a casa. Foi andando devagar. A chuva passara e o céu abriu. Uma estrela surgiu, tímida, distante. Rasgo de luz na imensidão da rua. O passo estacou. Uma dor forte. A mulher mirou a estrela. Haveria um mundo sem a TIM, sem Unimed, sem bancos, sem ônibus lotado, sem humilhações, sem solidão? Haveria? Num repente. Escuridão. Já não havia mais pulsar no coração.

* Elaine Tavares é jornalista.

** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.