Uxbridge, Canadá, 11/11/2011 – O governo do Canadá gasta mais de US$ 60 bilhões na compra de aviões e navios militares, ao mesmo tempo em que corta mais de US$ 200 milhões em fundos para a pesquisa e o acompanhamento de problemas ambientais. Entre os programas cortados pelo primeiro-ministro, Stephen Harper, está a rede canadense de vigilância da ozonosfera, respeitada mundialmente e que teve papel decisivo na descoberta do primeiro buraco na camada de ozônio sobre este país na última primavera boreal.
“Os ajustes propostos vão tão longe que a rede não poderá fazer ciência seriamente”, disse Thomas Duck, especialista atmosférico na Universidade Dalhousie, de Halifax.
O Canadá foi pioneiro no desenvolvimento da primeira ferramenta precisa para medir a camada de ozônio, e graças a isso descobriu-se na década de 1970 que esta ficava cada vez mais fina em algumas áreas. A descoberta levou à assinatura, nos anos 1980, do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Esgotam o Ozônio.
O Canadá administra um terço das estações no Ártico dedicadas a vigiar a ozonosfera. Também abriga o arquivo mundial, consultado por cientistas de todo o mundo, sobre informação da camada que cobre a Terra a uma altitude média de 15 a 30 quilômetros de sua superfície e protege todos os organismos vivos dos prejudiciais raios ultravioletas (UV). “Só havia uma pessoa administrando todo o arquivo, e já recebeu uma carta de demissão”, contou Duck à IPS.
A pesquisa e o acompanhamento da camada de ozônio é parte das tarefas do Environment Canada (Ambiente Canadá), departamento do governo encarregado de proteger o meio ambiente, promover a conservação e fornecer informação climática e meteorológica. Este escritório equivaleria nos Estados Unidos a uma combinação da Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Administração Atmosférica e Oceânica Nacional (NOAA).
O Environment Canada contava com orçamento de US$ 1,07 bilhão em 2010, que agora foi reduzido em 20% para o período 2011-2012. Os fundos da EPA e da NOAA para o ano passado foram de US$ 10,3 bilhões e US$ 5,5 bilhões, respectivamente. Cerca de 776 funcionários do Environment foram demitidos. Esse departamento foi alvo preferencial dos cortes e reduções de pessoal na última década, ao ponto de ser apenas funcional, esclareceu Duck.
Cortes semelhantes são feitos no Fisheries and Oceans Canada (Pesca e Oceanos Canadá), departamento responsável por proteger e administrar as zonas marítimas canadenses, incluindo os Grandes Lagos. “Não surpreende que cada vez mais cientistas abandonem o país. Meus colegas internacionais estão surpresos pelo ocorrido no Canadá. Fomos líderes mundiais por muito tempo em ciência e pesquisa ambiental”, afirmou Duck
Em 1988, o Canadá organizou e patrocinou a primeira conferência internacional de alto nível sobre mudança climática, realizada em Toronto. A Cúpula da Terra, de 1992 no Rio de Janeiro, e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente também contaram com uma destacada liderança de canadenses.
Mas tudo isso chegou ao fim, disse Duck. Agora, com a desculpa de reduzir o modesto déficit fiscal, o governo de Harper ajustou os programas ambientais, incluindo os que fazem um acompanhamento dos metais pesados e contaminantes e que têm um impacto importante na saúde e no bem-estar dos próprios canadenses, acrescentou. “Falo claro porque essas reduções serão muito ruins para meus filhos”, acrescentou.
Duck foi um dos poucos cientistas canadenses dispostos a falar abertamente com a IPS. Os especialistas que trabalham para o governo estão sob uma “ordem mordaça” que os impede de falar com os meios de comunicação sob qualquer circunstância, salvo com autorização especial do escritório do primeiro-ministro.
Também não quiseram dar declarações os cientistas que trabalham em universidades, por medo de perder fundos para seus programas ou sofrer outras formas de represálias. “Haverá um bombardeio sobre qualquer um que fale com vocês”, assegurou Duck à IPS. “Agora, minhas perspectivas de fazer qualquer trabalho com o Environment Canada são zero”, lamentou.
Organizações da sociedade civil têm experiência em represálias do governo canadense. Muitas que questionaram as políticas oficiais perderam seu financiamento.
Durante 34 anos, a Rede Ambiental Canadense caminhou com sucesso pela linha entre as necessidades do governo e as de seus mais de 650 membros da sociedade civil. Contudo, no dia 13 de outubro, depois de esperar mais de seis meses por seus habituais US$ 536 mil anuais do Estado, o grupo foi informado por uma carta que não os receberia nunca mais.
A Rede era o melhor canal de comunicação entre o governo e a sociedade nos assuntos ambientais. Agora, o governo diz que isto pode ser feito de forma mais efetiva pela internet.
Apenas seis dias após cortar esses fundos para a Rede, o governo canadense assinou contratos de US$ 32 bilhões para a construção de navios para a marinha e a Guarda Costeira. Também se comprometeu a gastar outros US$ 29 bilhões em 65 aviões de combate.
“Um dos primeiros atos do governo Harper foi reduzir a zero nosso financiamento”, disse Hanna McKinnon, da Climate Action Network Canada (CAN Canada), organização ambientalista que recebia fundos do governo antes das eleições de 2006. “Os canadenses estão profundamente preocupados pela mudança climática e querem que seu governo aja”, acrescentou.
Em lugar de ações, o governo de Harper faz promessas e afirma que a economia é mais importante, e que proteger o meio ambiente tem um custo muito alto. As únicas ações tomadas são em nível provincial e local, informou McKinnon. “Se é preciso reduzir o déficit orçamentário federal, por que o Canadá continua dando à indústria do petróleo e do gás US$ 1,4 bilhão (canadenses, ou US$ 1,3 bilhão norte-americanos) em subsídios a cada ano?”, perguntou. Envolverde/IPS