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Mulheres temem crescimento islâmico

Mulheres protestam na Tunísia para exigir respeito a seus direitos. Foto: Giuliana Sgrena/IPS

Tunis, Tunísia, 16/11/2011 – As mulheres tunisianas votaram em massa nas primeiras eleições democráticas desde a queda do regime de Zine El Abidine Ben Ali (1987-2011). Contudo, sua esperança se transformou em medo. A esmagadora vitória do partido islâmico moderado Ennahda na votação de 23 de outubro gerou preocupação. As mulheres temem que o terreno ganho para obter maior liberalização seja ameaçado pelo crescimento dessa força político-religiosa.

Os receios foram avivados pelos últimos ataques de grupos salafistas (integristas muçulmanos) contra cinemas e emissoras de televisão, quando eram apresentados filmes de cineastas mulheres, e se agravaram depois das agressões a professoras e estudantes de diversas universidades do país.

O Ennahda se distanciou das ações dos extremistas, assegurando que o partido segue uma linha moderada. “Respeitaremos a forma de vida do povo tunisiano e trabalharemos para preservar os direitos das mulheres”, disse à IPS a constituinte eleita Souad Abdelrahim. Ela é a única das 42 representantes eleitas pelo Ennahda que não usa véu islâmico, e se converteu em defensora da imagem “moderada” do partido e de sua suposta tolerância. Entretanto, os elementos mais conservadores do Ennahda, assim como os radicais salafistas que se negaram a votar na eleição do mês passado, estão descontentes com o que consideram afrouxamento da força política, e exigem uma postura religiosa de linha dura.

Na semana passada, dezenas de mulheres, incluindo professoras, estudantes e ativistas, se reuniram diante da universidade Cité des Sciences, na capital, para chamar a atenção para os ataques físicos e verbais que sofrem por parte de conservadores em diferentes espaços sociais.

Próximo aos manifestantes, bem em frente a uma mesquita, salafistas gritavam para elas “Fora, fora”, frase usada como lema durante a revolução contra Ben Ali. É comum serem insultadas e agredidas mulheres cuja vestimenta desafia os códigos conservadores em muitos países islâmicos. Nem um só partido ou organização divulgou um comunicado condenando formalmente as agressões, o que obrigou as mulheres a procurar meios de difusão próprios, estratégia usada amplamente durante a revolução para obter apoio nos protestos contra o regime.

O chamado para uma grande manifestação na central Praça Kasbah, diante do palácio do governo, foi divulgado não por destacados ativistas ou blogueiros, mas por mulheres comuns que afirmavam não estar filiadas a nenhum partido e a nenhuma ideologia. A resposta foi dada por centenas de mulheres, tanto religiosas como seculares, algumas partidárias do Ennahda e outras sem filiação política, todas determinadas a consolidar seus direitos na nova Constituição.

“Ensino história islâmica na universidade e se na minha aula digo algo que não corresponde ao pensamento conservador muçulmano sei que estarei em grave perigo”, contou à IPS a professora e ativista Latifa Beeky, da Associação Tunisiana de Mulheres Democráticas (ATFD), uma das poucas entidades que defendem ativamente os direitos das mulheres neste país. Porém, muitas veem com receio este grupo, que teria vínculos com o partido Agrupação Constitucional Democrática, de Ben Ali.

Feministas seculares tentam manter a calma neste momento de transição, considerado fundamental para o futuro do país. “Como feminista secular e progressista, considero o Ennahda automaticamente meu antagonista político”, afirmou Sana Ben Achour, ex-presidente da ATFD. “Os líderes do Ennahda afirmam que respeitarão os direitos das tunisianas, mas essas promessas só podem ser verificadas por suas ações”, disse à IPS.

“Muitas mulheres comprometidas com a atividade política sofreram graves ameaças pela internet”, afirmou à IPS a ativista da ATFD e psicóloga Souad Rejeb. “No Facebook foi publicada uma imagem de Sana Ben Achour marcada com uma cruz, símbolo que representa uma ameaça de morte”, acrescentou. Embora muitas mulheres tenham medo de que isso ocorresse antes mesmo das eleições, nenhuma boicotou a votação para não sacrificar seu direito de votar.

“Queríamos salvaguardar nosso direito de votar livremente pela primeira vez em nossas vidas. Observamos algumas irregularidades, mas não suficientes para nos fazer desistir”, disse Samira Hizaoui, candidata por um novo partido, criado pelo Sindicato Geral de Trabalhadores Tunisianos, que também luta pela igualdade de gênero.

Várias mulheres políticas estão preparadas para um longo caminho de luta. Uma delas é a cineasta Salma Beccar, do Polo Modernista Democrático. “Não temo o Ennahda. A maioria de seus êxitos se deve a uma efetiva campanha de propagação apoiada por emissoras de televisão via satélite como a Al Jazeera. Sem esse apoio, os islâmicos não teriam obtido uma vitória tão contundente”, advertiu à IPS.

“Prometeram preservar o código familiar tunisiano (a Lei de Família é a mais progressista do mundo árabe), mas já começaram a dizer que as leis de adoção vão contra o direito islâmico”, disse Beccar. “No Facebook circulam boatos sobre a intenção do partido de segregar escolas, ônibus e outras áreas públicas com base no gênero. Precisamos estar atentas para estas mudanças a fim de resistirmos”, ressaltou.

“Embora no começo o Ennahda mostre um rosto moderado, tenho minhas dúvidas de que os islâmicos sejam capazes de continuar dessa forma no longo prazo”, afirmou à IPS a sindicalista Chakras Balhaj Yahya, da UGTT. “Minhas seis irmãs optaram por usar o véu, o que não entendo. Continuo usando minha minissaia, mas agora as pessoas me olham de maneira diferente”, acrescentou.

Wissal Kassraoui, uma jovem jornalista da Rádio Shams, e que também usa roupa ocidental, confessou ter medo do que possa ocorrer nos próximos anos, ou mesmo meses. Os partidários do Ennahda “esperarão, talvez um ano, talvez menos, para mostrarem seus verdadeiros rostos. Porém, a realidade é que sua base já começou a ameaçar as mulheres”, ressaltou. Envolverde/IPS