“Três princípios básicos regem a ética no trabalho com animais: substituição, redução e refinamento”, assinala o pesquisador Aleksander Roberto Zampronio.
A discussão ética está ocupando o centro do debate acerca da utilização de animais para experimentos científicos e aulas práticas em universidades brasileiras. Apesar de alguns pesquisadores serem incessantemente adeptos do uso de animais no desenvolvimento da ciência, as universidades “são favoráveis à redução da utilização de animais nas aulas práticas”, declara Aleksander Roberto Zampronio, docente do departamento de Biologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
De acordo com o pesquisador, algumas universidades estão substituindo o uso de animais por softwares de simulação ou vídeos. “Há uma perda porque o estudante não manipula o animal, mas não é algo tão significativo que justifique a morte de novos animais”, explica. Apesar de defender a discussão ética neste debate, Zampronio assinala que, por enquanto, “a substituição total” de animais “é impossível”. “Atualmente, há uma preocupação dos pesquisadores em fazer um refinamento do experimento e usar o menor número possível de animais. (…) Nesse sentido, o Comitê de Ética tenta educar os cientistas para que eles possam substituir os procedimentos tradicionais e buscarem maneiras de reduzir e refinar a pesquisa.”
Aleksander Roberto Zampronio é graduado em Farmácia pela Universidade de São Paulo (USP), onde também cursou o doutorado em Farmacologia. É pós-doutor em Neurociência pela Universidade de Caldas e atualmente é coordenador da Comissão de Ética para Uso de Animais do setor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde leciona.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor vê a discussão acerca da utilização de animais como cobaias para realização de testes científicos?
Aleksander Roberto Zampronio – A discussão sobre o uso de animais para testes científicos é fundamental e a sociedade tem que participar das decisões do que é feito, em termos éticos, com a pesquisa animal. Nesta discussão, os que são a favor e aqueles que são contra a utilização de animais precisam ser ouvidos para chegarmos a um consenso, Na minha opinião, a pesquisa tem limites, mas, por outro lado, existem pessoas que precisam da pesquisa.
IHU On-Line – De onde surgiu a iniciativa de utilizar animais para a pesquisa científica?
Aleksander Roberto Zampronio – No Brasil, a utilização de animais para pesquisa é uma atividade recente e relativamente crescente. Os professores universitários começaram a utilizar animais há 15, 20 anos e, desde então, já queriam estabelecer limites éticos para o uso dos animais. Quer dizer, antes de a sociedade se manifestar a respeito das questões éticas que implicam esta atividade, os pesquisadores já se manifestaram e criaram regras dentro das universidades. A experiência de fazer testes com animais foi trazida do exterior, quando pesquisadores brasileiros começaram a visitar universidades estrangeiras. Na Inglaterra, por exemplo, essa discussão tem mais de cem anos.
IHU On-Line – paradigma científico vigente aceita a utilização de animais para experiências científicas. Que alternativa pode ser vislumbrada para substituir esta prática?
Aleksander Roberto Zampronio – A substituição total, na minha avaliação, é impossível, considerando o atual momento da ciência. Por enquanto, não é possível substituir todos os animais por outra alternativa, mas já existe uma série de maneiras que contribuem para a redução do uso de animais. Atualmente, há uma preocupação dos pesquisadores em fazer um refinamento do experimento e usar o menor número possível de animais, e, às vezes, substituir o uso de animais por softwares. Nesse sentido, o Comitê de Ética tenta educar os cientistas para que eles possam substituir os procedimentos tradicionais e buscar maneiras de reduzir e refinar a pesquisa com animais. Portanto, três princípios básicos regem a ética no trabalho com animais: substituição, redução e refinamento.
IHU On-Line – Qual é o limite da ética do uso de animais para experiência? Como o senhor vê o debate de ativistas e ambientalistas que defendem os direitos dos animais e o caso de alunos que se recusam a fazer experimentos com animais nos cursos de graduação?
Aleksander Roberto Zampronio – Algumas pessoas são radicais, mas a questão do uso de animais nas universidades tem que ser discutida separadamente. A ética tem que fazer distinções entre a utilização de animais nas universidades e nos centros de pesquisa. Geralmente quem se recusa a participar de experimentos com animais são alunos de graduação, portanto, não são alunos que trabalham com pesquisa. No meu ponto de vista, antes de ingressar em um curso de biologia, por exemplo, a pessoa tem que ser informada de que terá que trabalhar com animais, até porque tem atividades que não podem ser feitas de outra maneira. Entretanto, na graduação, algumas aulas práticas podem ser substituídas. Inclusive, o uso de animais nas aulas de graduação está sendo reduzido e o professor precisa dar uma boa justificativa ao Comitê de Ética para ministrar aulas práticas com animais.
IHU On-Line – Como os alunos aprendem alguns experimentos sem o uso de animais?
Aleksander Roberto Zampronio – Algumas universidades utilizam softwares de simulação. Em determinadas aulas, por exemplo, eu filmo o comportamento do animal, e utilizo o filme. Há uma perda porque o estudante não manipula o animal, mas não é algo tão significativo que justifique a morte de novos animais. Existem meios de substituir o uso de animais. Ao invés de ministrar uma aula com um animal inteiro, é possível, por exemplo, tentar coletar sangue e fazer um experimento in vitro. Entretanto, quando se trata de pesquisa cientifica, a questão é um pouco mais complicada.
IHU On-Line – O uso de animais para realizar pesquisas humanas é eficaz?
Aleksander Roberto Zampronio – Sem dúvida nenhuma. Animais e humanos são diferentes, mas a química, para identificar os efeitos colaterais em humanos, é a mesma. Todas as drogas que conhecemos e que são eficazes hoje foram testadas em animais. Nós adquirimos muito conhecimento a respeito disso, então não tenho dúvida de que é útil passar primeiro por animais, depois pela pesquisa pré-clínica. A discussão é: será que nós podemos reduzir bastante o número de animais que utilizamos até chegar à pesquisa pré-clínica? Este é o debate que os Comitês de Ética têm feito e, tentado, junto com os pesquisadores, buscar alternativas.
IHU On-Line – Quais são os avanços e os limites da Lei Arouca (nº 11.794) em relação à utilização de animais para o desenvolvimento de pesquisas científicas?
Aleksander Roberto Zampronio – A lei demorou para sair, e só foi aprovada por causa dos cientistas brasileiros e dos pesquisadores que trabalham com animais. Acompanhei essa discussão de perto, discutíamos a lei em todos os congressos brasileiros, e fomos atrás para que ela fosse regulamentada e aprovada. Com a implementação da lei, o Brasil avançou bastante e estou gostando muito da forma como a Lei Arouca está sendo conduzida. Por exemplo: estão credenciando todas as universidades que utilizam animais em experiências cientificas, portanto, nós vamos saber quem está desenvolvendo pesquisas, sobre o que estão pesquisando, onde as pessoas estão trabalhando, etc.
A Lei Arouca foi importante para nós, porque com ela nós conseguimos criar o Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (Concea), órgão que faz o controle da experimentação animal no país. Entretanto, a implantação total da lei é muito difícil porque temos dificuldade de encontrar pessoas disponíveis para participar dos Comitês de Ética, porque esta é uma atividade voluntária.
As pessoas, por exemplo, das ONGs que têm cadeira nos Comitês de Ética, se recusam a participar. Entre as justificativas que recebi, diziam que o quadro de funcionários é pequeno e que as pessoas não dispõem de tempo, etc.
IHU On-Line – Como as universidades brasileiras se posicionam diante do uso de animais para experiências?
Aleksander Roberto Zampronio – As universidades de modo geral são favoráveis à redução da utilização de animais nas aulas práticas. Todos entendem que a utilização deve ser controlada por um Comitê de Ética. Os alunos de pós-graduação estão altamente integrados nesta política de evitar o sofrimento dos animais. As universidades estão comprometidas com isso porque este é o melhor caminho. Temos a consciência de que é importante realizar pesquisas, mas elas devem ter limites. É óbvio que alguns pesquisadores desconsideram a necessidade de ter um Comitê de Ética para regularizar as suas pesquisas.
IHU On-Line – Como os animais são utilizados dentro das universidades e centros de pesquisa? Como é feito o controle do uso de cobaias? O senhor sabe, aproximadamente, quantos animais são utilizados por semestre?
Aleksander Roberto Zampronio – A maioria das universidades brasileiras utiliza ratos e camundongos, que são criados dentro da própria universidade. São utilizados também, em menor quantidade, coelhos, galinhas, cavalos e porcos. As regras de anestesia e de sacrifício são adotadas em geral pelas universidades, enquanto o governo não determinar as regras gerais para o país. Entretanto, as instituições costumam utilizar as regras de anestesia e sacrifício do Conselho Federal de Medicina Veterinária. Sempre que necessário, se consulta os veterinários – todos os Comitês de Ética têm veterinários e biólogos. O governo está perguntando para todas as universidades como elas realizam os testes e, por meio do Concea, vai estabelecer as regras gerais, que todas as instituições deverão seguir.
Em relação ao controle, atualmente o pesquisador informa para o Comitê de Ética quais procedimentos são utilizados na pesquisa e o Comitê diz se ele pode ou não pode fazer aqueles procedimentos de acordo com as normas internacionais. Caso o Comitê de Ética receba alguma denúncia, deve dar início a uma investigação e averiguar se está havendo algum abuso ou se as pesquisas estão descumprindo as regras.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.