Síndrome da morte súbita em bebês: um sono sem despertar

Até a década de 1950, a morte súbita dos bebês lactentes (SMSL) era considerada um acidente, acreditando-se que a criança fosse sufocada pelos lençóis ou pelo corpo do adulto.

Isso começou a mudar quando pais norte-americanos inconsolados pela perda de seus bebês, e insatisfeitos com a falta de respostas, criaram nos Estados Unidos a Fundação Nacional de SMSL, que reivindicou estudos epidemiológicos da comunidade científica, discutidos em duas conferências (em 1963 e 1969). Os estudos mostraram que as características encontradas eram idênticas nos países participantes (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Tchecoslováquia).

Definição atual da síndrome: morte súbita e inesperada de uma criança menor de um ano, previamente saudável, com início do episódio fatal aparentemente ocorrendo durante o sono, que se mantém inexplicada após exaustiva investigação, incluindo realização de uma necrópsia completa, revisão das circunstâncias da morte e da história clínica. Pode ser subdividida em categorias1: IA, IB, II e morte súbita da infância não classificada.

Fatores de risco

Os fatores de risco relacionados são: sono, cabeça coberta na hora do sono, baixo peso ao nascer, prematuridade, mãe adolescente, gestações múltiplas, raça negra, hipo ou hipertermia, fumo na gravidez, nível socioeconômico menos favorecido e dormir compartilhado. Acomete crianças de até um ano de idade com pico de incidência de dois a quatro meses de vida, predomínio no sexo masculino (60%), mais frequente nos meses frios e nas madrugadas.

Várias hipóteses tentaram explicar a etiologia da SMSL, desde infecções até causas genéticas. Atualmente, acredita-se em falha no sistema de despertar, podendo ser entendida como disfunção do sistema nervoso autônomo.

Os estudos da cena do óbito mostraram que a maioria das crianças estava “de bruços” (decúbito ventral) no momento do óbito. Foram realizadas campanhas orientando a se colocar a criança para dormir em posição supina (decúbito dorsal). Nos Estados Unidos, até a década de 1980, a SMSL era a principal causa de óbito até um ano de idade. Essa simples recomendação levou, no prazo aproximado de dez anos, à redução na incidência de 1,4/1.000 para 0,7/1.000 nos Estados Unidos, de 3,5/1.000 para 0,3/1000 na Noruega, e de 0,8/1000 para 0,3/1000 no Canadá.

Em 1992, a Academia de Pediatria Norte-Americana realizou campanhas com medidas preventivas, que em 2005 foram revisadas e revalidadas. Os três fatores preventivos de maior relevância foram: dormir em posição supina pelo menos até os seis meses de vida; evitar fumo na gravidez e contato com fumantes (redução de risco de duas a quatro vezes) e evitar cobrir a cabeça na hora do sono (redução de mortes de 16% a 22%).

Outras medidas seriam: evitar sono compartilhado; colchões moles, de água ou sofás; considerar o uso de chupetas para dormir, começando um mês após início da amamentação.

Como podemos prevenir essa síndrome?

Evitando os fatores de risco mencionados e acompanhando crianças com história de bradicardia, apneias, cianose, recuperados de SMSL, ou grupos de risco, como os prematuros.

E no Brasil, há muitas mortes por SMSL?

Apesar de estudos em algumas regiões mostrarem semelhanças epidemiológicas com países desenvolvidos, não podemos generalizar, afirmando que essa incidência reflete a nossa realidade. Temos uma taxa de mortalidade infantil muito superior à desses países e, seguramente, estão englobadas as mortes por SMSL nessas taxas: há subnotificação em nossos atestados de óbito, não realização de necrópsias padronizadas e ausência de campanhas maciças de prevenção.

Como podemos ter similar incidência em relação a países que por longa data estão investindo em estudos e prevenção? Não seria mais provável que estivéssemos deixando de fazer diagnósticos? Seria necessário para responder a essas perguntas uma política pública voltada à divulgação, prevenção e estudos epidemiológicos seriados, com intenção de responder a essas questões, com índices que reflitam realmente a nossa realidade.

* Cristina Guerra, José Sobral, Henrique Maia, Tamer Seixas e Ayrton Peres são cardiologistas e membros da Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca (Sobrac).

** Publicado originalmente no site O que eu tenho.