A baixa qualidade da educação básica no Brasil, o que dificulta o acesso de milhares de estudantes ao ensino superior, e a necessidade de mão de obra qualificada em diversos setores estratégicos para a economia do país, como a construção civil, podem impulsionar os jovens a optar pela educação profissionalizante. Esta é a conclusão de especialistas reunidos em um debate sobre ensino técnico, realizado pelas revistas Carta Capital e Carta na Escola, na sexta-feira (11), em São Paulo.
A escassez de profissionais especializados, principalmente engenheiros, preocupa o governo federal, que enxerga na educação profissionalizante uma maneira de amenizar esse gargalo. Por isso, o setor vem recebendo investimentos, como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego).
Segundo o ministro da Educação, Fernando Haddad, que abriu o evento, o programa prevê a expansão da rede federal de ensino profissional das atuais 354 unidades em todo o Brasil para 562 até 2014.
Contudo, os investimentos no setor não se limitam à rede pública. O Fies, programa de financiamento estudantil, será extendido para cursos técnicos e escolas particulares com as mesmas condições, como juros de 3,4% ao ano, concedidas a estudantes universitários. “As empresas poderão captar o financiamento para qualificar seus trabalhadores nas áreas de maior necessidade, sem encargo trabalhista e pagamento em longo prazo.”
No evento, Haddad destacou a necessidade de apoiar esta modalidade educacional e também o aumento das matrículas em cursos superiores tecnológicos, que possuem duração aproximada de três anos, citando os Estados Unidos como exemplo. “Nos Estados Unidos, 60% das matrículas são nos communities colleges, faculdades que oferecem cursos de dois a três anos. Aqui no Brasil, organizamos esses cursos, passamos a avaliá-los pelo Enade e eles ganharam robustez”, disse, rebatendo críticas de que o investimento no ensino técnico não soluciona os problemas de qualificação no Brasil.
Luiz Caruso, gerente executivo de estudos e prospectivas do Senai/DN, critica a supervalorização da “cultura bacharelesca” no país, tida como o principal caminho profissional, mesmo com a “qualidade sofrível” da educação básica brasileira. Segundo ele, há um índice de empregabilidade de 80% para profissionais de nível técnico, ainda abaixo dos 85,6% entre indivíduos de 25 a 34 anos graduados. “No entanto, apenas 50% dos jovens concluem o ensino médio e somente 10% deles o fazem com o nível de proficiência adequado”, justifica, apontando que, em 2009, o Brasil oupava a 53ª posição no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) entre 65 países.
A forte demanda do mercado também é sentida na rede federal. “A necessidade é tanta, que muitas vezes o aluno é contratado antes de concluir o curso. Uma pesquisa de 2010 mostra que o grau de empregabilidade é de 72%”, conta Cláudio Ricardo Gomes de Lima, presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conifi).
Neste cenário, o Estado de São Paulo propõe a combinação do ensino médio público com o profissionalizante na rede Paulo Souza. Além disso, estuda um modelo de interiorização do ensino técnico, no qual municípios pequenos receberiam uma “sala descentralizada” com um curso necessário na região, sob a gestão de uma instituição instalada em outra cidade no raio de 50 quilômetros de distância.
No âmbito nacional, o Ministério da Educação reestruturou o chamado Sistema S – formado por organizações criadas por setores da indústria e comércio, entre outras, para qualificar seus trabalhadores, como Senai e Sesi –, para integrá-lo à lista de parceiros do Pronatec. Desta forma, essas instituições receberão incentivos fiscais para abrir turmas gratuitas. “Precisamos recolocar o sistema da educação profissionalizante nos trilhos”, afirma Haddad, completando que em três anos dois terços desta receita serão direcionados a cursos grátis de pelo menos 160 horas no Senai e Senac. Uma qualificação equivalente à certificação técnica de nível médio.
O governo já liberou, por Medida Provisória, R$ 460 milhões para o programa, que também inclui institutos federais. Neste caso, apenas se houver espaço ocioso.
O ministro também anunciou a desoneração de 100% dos tributos previdenciários e trabalhistas para empresas que investirem na qualificação de seus empregados, a fim de estimular o setor privado a aderir ao programa. “É uma espécie de Lei Rouanet da educação.”
Democratização
Em 2008, a rede federal de ensino profissionalizante ganhou universidades tecnológicas. Contudo, a oferta de vagas ainda é limitada e as Fatecs e Etecs adotam a seleção de alunos por meio de provas, embora a maioria dos candidatos não esteja preparada o bastante para conseguir as vagas, admite o secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do governo de São Paulo, Alexandre Barbosa. “Em São Paulo tentamos resolver esse vácuo com um programa que oferece mais de 137 cursos de até três meses de duração para pessoas com no mínino 16 anos, habitantes do Estado e alfabetizados”, diz.
A democratização do acesso à educação de qualidade também é um aspecto apontado como vital por Lima. “O filtro das provas é muito severo e a concorrência é perversa. Temos que desenvolver outras alternativas e já discutimos isso com o MEC.”
Contudo, os vestibulares não são os únicos obstáculos à qualificação dos estudantes brasileiros. A necessidade de trabalhar para contribuir com as despesas familiares é um dos fatores cruciais da evasão. Segundo Barbosa, o governo paulista fornece aos matriculados em cursos de curta duração uma bolsa de R$ 230 para transporte e alimentação. “O Brasil vive um apagão de mão de obra e temos muitos desafios para nos consolidarmos e, por isso, precisamos investir nas pessoas. Hoje o poder de uma nação é medido pelo seu conhecimento.”
Um estímulo também presente na rede federal de ensino profissionalizante, explica Lima. “Os estudantes de licenciatura podem angariar uma ‘bolsa sobrevivência’ e depois ingressar como professor no final do curso, mas também há auxílios da Petrobras para garantir a formação de técnicos necessários ao seu setor e opções de iniciação científica.”
Esforço conjunto
De acordo com o presidente da Conifi, diversos institutos federais possuem turmas de nível médio, técnico e superior, com a mesma autonomia das universidades federais. Isto permite abrir cursos específicos para a necessidade da região, atraindo investimentos e movimentando a economia. “A interiorização visa a eliminar as disparidades regionais e permitir que as pessoas fiquem em suas cidades.”
Além disso, Lima aponta que o currículo dos cursos oferecidos visa a um equilíbrio entre a prática e a teoria, com características próprias para não sobrepor os esforços das demais universidades, poupando gastos. “O Pronatec junta a rede federal, a privada e o sistema S para que se completem e atendam à demanda de forma mais completa.”
Os locais, para receber as novas unidades da rede federal de ensino profissionalizante, devem integrar o conjunto de municípios apelidado de G100, composto por 103 cidades com uma característica comum: mais de 80 mil habitantes e arrecadação per capita inferior a R$ 1 mil por ano.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.